31 de dezembro de 2006

 

Acabando o ano a rir (ou a chorar?)

Posso não ter compreendido bem, mas fiquei com a ideia de que vai ser preterida, em relação à pedagógica, a formação científica disciplinar dos professores do 2º ciclo do ensino básico (quero crer que não do 3º ciclo) . Fico com receio, como me demonstra uma historieta contada hoje por um leitor do Público.

"Um aluno, tendo perguntado à professora o motivo de uma maçã cair da árvore para o chão e a Lua não cair do céu, obteve a seguinte explicação: é porque a maçã é mais leve". Está ao nível do Panoramix, que só receava que o céu lhe caísse sobre a cabeça.

Também passei por uma destas, quando não consegui convencer uma professora do meu filho de que ela o tinha corrigido mal, por ele ter respondido numa prova que cebola e alho eram plantas da mesma família (o rapaz até nem disse que do mesmo género). Eu bem escrevi uma cartinha à senhora, lembrando-lhe que eram ambas Alliaceae, A. cepa e A. sativum. A resposta foi de que eu estava errado, porque toda a gente sabe que uma cebola tem o bolbo às camadas e um alho aos dentes ou gomos! Contra esta ciência de cozinheira, nada a fazer. Será que essa senhora pensa que um S. Bernardo e um chihuahua pertencem a espécies diferentes? Nota importante: já devem conhecer-me e admitir que posso inventar uma piada, mas garanto que esta história de refogado é verídica e chegou até ao conselho directivo, claro que sem consequências.

Fui então esclarecido de que, independentemente da questão taxonómica, o que se pretendia no essencial era que os alunos tivessem sentido da observação e salientassem aquela diferença essencial, independentemente de a formulação da pergunta, lembro-me bem, ser sobre a sua relação sistemática. Eduquês no seu melhor!

Às vezes fico a pensar que, só para certos efeitos (não de significado cívico, entenda-se) há que criar duas designações para subespécies da nossa (descontando agora os puristas que me podem acusar de desconhecer que há quem nos considere já como subespécie, H. sapiens sapiens): H. sapiens educatus e H. sapiens ignorans. Que se proíba aos segundos o acesso ao ensino.

 
22 de dezembro de 2006

 

A montanha pariu um rato

Arriscamo-nos sempre a interromper férias, em geral por maus motivos. É o que acontece agora, porque não podia adiar uma reacção ao discurso de ontem do primeiro ministro, de que só hoje tive conhecimento tardio.
"O órgão máximo de cada instituição, que deve assegurar a sua direcção estratégica – Senado, Conselho Geral ou qualquer outra designação que venha a ser escolhida – deve ser colegial e eleito e composto pela comunidade académica, mas esse órgão dever ter uma maioria de professores e deve estar largamente aberto à sociedade, através da presença obrigatória de personalidades externas à instituição com experiência relevante para a sua actividade.

Competirá a este órgão de topo a escolha do dirigente máximo de cada instituição – Reitor de universidade ou Presidente de politécnico –, decorrendo essa escolha após processo de selecção, aberto à candidatura de professores de outras instituições. Competirá, ainda, a este órgão de topo apreciar o desempenho dos responsáveis designados e os resultados alcançados."
Nem a presença de membros externos nesse senado é novidade, já está prevista na lei, embora com carácter facultativo. A experiência de algumas universidades mostra que essa presença, nestes moldes e num órgão maioritariamente representativo da comunidade, é irrelevante e desmotivadora para os externos.

Como se sabe, o relatório da OCDE propôs coisa muito diferente: um órgão com atribuições apenas académicas, eleito, representativo dos corpos académicos e com dimensão máxima de 25 membros; um órgão de governo ("board") de até quinze membros, com maioria de externos, incluindo o seu presidente; um reitor nomeado por este órgão de governo, após um processo de busca e selecção.

Não é difícil perceber-se que a ideia do governo, aliás confusa, não tem nada a ver com isto, mistura dois planos radicalmente diferentes, o do governo estratégico e o do governo académico. Não quero dizer que concordo na totalidade e no concreto com a recomendação da OCDE, perfilhando antes uma proposta mais realista, como escrevi recentemente com dois amigos. Não é o que me interessa agora discutir, antes o significado político deste discurso. Logro ou incompetência?

Das duas uma.

Ou o ministro adivinhava e desejava como apoio, previamente à encomenda do relatório, o que seria a proposta da OCDE, como muitos e eu próprio o fizeram, e então esta posição de agora significa fraqueza, que andou inconsequentemente a "engonhar" (desculpe-se o plebeísmo) e a gastar inutilmente dinheiros públicos em época de cortes orçamentais das IES, desprezando liminarmente as propostas (pior, talvez, desvirtuando-as, que é coisa bem menos frontal e coerente).

Ou não lhe passava pela cabeça que seria essa a proposta e então mostra que anda muito desconhecedor das realidades e tendências internacionais. Não sei qual das duas abona mais em relação ao ministro. Vou oferecer ao ministro, neste Natal, "O princípio de Peter". Provavelmente nunca o leu. Se o tivesse feito, ter-se-ia acomodado como ministro da ciência, em que foi bom, e não teria aceite o encargo da educação superior, em que é mau. Nem se lembrou de que a História é cruel, tem grande tendência para recordar mais o mau do que o bom.

Leio no Público que os reitores ficaram satisfeitos. Pudera! Apenas alguns declararam que o governo podia ir um pouco mais além, mas sem que eu perceba, pelo jornal, o que seria esse mais além. Mais espantoso é o presidente do CRUP afirmar, quanto à intenção do governo, sobre a governação, que "é assim no resto da Europa". Não é, nem mesmo aqui ao lado! É espantoso ouvir tal inverdade dita pelo presidente do CRUP. Delenda CRUP!

Volto para férias, esperando que não me veja obrigado a interrompê-las novamente pela necessidade de marcar posição. Claro que, depois, terei muito a escrever sobre tudo isto.

P. S. – Nem tudo no discurso foi negativo, mas compreenderão que hoje não posso escrever sobre tudo, por exemplo, o financiamento contratado.

 
15 de dezembro de 2006

 

A notícia do dia

Da notícia de hoje no Diário Económico, só está disponível "online" um pequeno excerto. Vale a pena lê-la na íntegra. Ressalve-se um pequeno lapso no título. Claro que Lourtie não era representante em Bolonha, mas sim no processo de Bolonha, com sede itinerante, agora em Londres, até à reunião de 2007.
"Representante nacional em Bolonha demite-se em rotura com Gago"

A ausência de estratégia do Governo para o processo de Bolonha durante a presidência portuguesa da União Europeia levou Pedro Lourtie, o "senhor Bolonha", a demitir-se do cargo de representante português no grupo de acompanhamento europeu deste processo.

A decisão foi comunicada a Mariano Gago, ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e ao primeiro ministro numa carta enviada no início deste mês.

Questionado pelo DE, Lourtie confirma que pediu a demissão por considerar que não tem "condições para participar no board do «Follow Up Group» europeu do processo de Bolonha, e muito menos para assumir a presidência deste organismo durante a presidência portuguesa da União". Apesar de ter questionado Mariano Gago por carta, diversas vezes, quanto aos objectivos e estratégia do Executivo quanto a este processo, não obteve qualquer resposta. "Não houve contactos com o ministro" garante Lourtie, que diz desconhecer "quais são as prioridades e as iniciativas que o Governo pretende organizar quando assumir a presidência da União no 2º semestre do próximo ano".

Este docente do Instituto Superior Técnico, que negociou o processo de subscrição da Declaração de Bolonha, em representação do governo português em 1999, ocupava o cargo desde Dezembro do ano passado. A sua missão era ser a voz do Executivo nas diferentes reuniões revelando a posição de Portugal quanto às diferentes matérias em discussão. Com esta demissão, Portugal fica sem representante na próxima reunião marcada para o final do mês de Janeiro.

Até agora, o ministério da Ciência e Ensino Superior não nomeou ninguém para preparar a presidência portuguesa, ao contrário de outros ministérios, como por exemplo o da Educação que já constituiu um grupo de trabalho.

Pedro Lourtie e o actual ministro do Ensino Superior há muito que estavam em rota de colisão.

Recorde-se que no ano passado o antigo secretário de Estado do Ensino Superior recusou liderar o grupo dinamizador do processo de Bolonha em Portugal - acumulando com as funções que até agora desempenhava - porque dois meses depois de ter sido convidado a estrutura não tinha ainda sido criada.

 

O relatório da OCDE (V)

Primeiro, um debate nacional!

Às vezes, na minha idade "provecta", mas, de qualquer forma, correspondente a uma boa dose de realismo, ainda dou por mim a surpreender-me com coisas inimagináveis. Tive de ler duas vezes, para acreditar, uma notícia de hoje, no Público:
"(...) no final do encontro o ministro da Ciência e do Ensino Superior, Mariano Gago, não quis adiantar nem prioridades nem possíveis caminhos. "O que posso garantir é que o Governo vai propor ao país um debate e tomar decisões que conduzam à modernização do ensino superior português", limitou-se a dizer."
Não dá para acreditar. O MCTES perdeu praticamente dois anos com este exercício gratuito. Gastou muito dinheiro, ninguém sabe quanto. Desprezou o esforço de muitos que há muito propõem o que agora a OCDE vem dizer. Mas adiante, feito o mal e a caramunha, ao menos que se esperasse agora, e com urgência, a reforma sempre adiada. Qual quê, o MCTES vai primeiro promover um debate nacional!

Um ministro é, por natureza um politico, tem de ter intuição política. Quem anda por debates, discussões na net, até conversas de café, nota que há uma onda de mudança. Um bom ministro surfista cavalgava-a já. JMG prefere molhar os pés à beira da água, não vá ficar constipado. O MCTES começa a ser um escândalo de má governação. Quousque tandem, Mariano...?

Já que me deu para o latim, também recordo que Audaces fortuna juvat! ("a sorte favorece os audazes"), um dos meus lemas. Não me tenho dado mal com ele. Impede-me de alguma vez chegar a ministro, que honra..., mas tem-me granjeado respeito e muitos bons amigos. Seja lá quem for que me julgará, nunca irá ler o Diário da República e os despachos de nomeação. Já não digo que não valha a pena ler despachos de exoneração.

 

O relatório da OCDE (IV)

Não julguem que eu considero mau o relatório da OCDE!

Comprometi-me a uma nota, hoje, mais no concreto. Para isto, vou ter de omitir, por ora e ainda não bem lido, tudo o que é a descrição diagnóstica do sistema. Julgo que é aceitável que lhe dê menos importância, porque também estou em boas condições de o fazer, faço-o todos os dias. No entanto, não é irrelevante. Só confio numa boa terapêutica se o diagnóstico estiver correcto. Mas adiante, passando às propostas.

É impossível comentá-las uma a uma e vou fazer um exercício de classificação. Ao todo, nos vários capítulos (aconselho o resumo final, para leitura mais compreensiva), são 50 conclusões, ou recomendações, ou propostas, chame-se-lhes o que se quiser. Vou classificá-las em três estrelas, à Michelin, em acertadas mas banais, e em duvidosas. O grupo das banais fica de fora da economia deste espaço.

Vou fazer um esforço para limitar as três estrelas ao que me parece serem as dez mais importantes propostas. Já não é mau, como vintage, 10 em 50. São as que me são mais caras, em termos de uma luta de alguns anos.

Mais difícil será discutir as duas propostas que me merecem criticas, a do conselho nacional da educação superior (coisa que será traduzida entre nós por conselho nacional do ensino superior, desculpem esta picuinha simbólica em que sempre insistirei) e a da natureza institucional e sistema de governação. Não estou em desacordo com os princípios, discordo é das formulações concretas. Ficará para outros apontamentos.

Com tudo isto, será que me estou a contradizer, aos olhos de quem tem lido as minhas críticas a este exercício? Creio que não. Nunca disse que o relatório seria mau, o que disse é que seria redundante em relação ao que muitos cá têm escrito e que iria fazer perder tempo e encobrir a falta de determinação política do MCTES. Mas até me dá algum gozo. Tenho escrito que o ministro desejava este relatório, como defesa. Hoje tenho dúvidas sobre se não terá sido um presente envenenado. Suspeito de que, afinal, algum desconhecimento do ministro sobre a educação superior, por este mundo fora, não lhe permitia adivinhar o que aí vinha.

Tomemos apenas, como exercício, a minha lista dos 10 vintages (a que juntarei, a seguir, os tais dois aspectos sobre os quais só tenho dúvidas de formulação prática). Qual é a opinião do ministro? Compromete-se a legislar rapidamente sobre isto? A escolha foi minha, mas não corresponde a uma larga opinião?

Nota - que mais não fosse, este relatório tem um mérito: fazer esquecer a mediocridade do relatório da ENQA.

P. S. (18:47) - Não, não se compromete. Primeiro, um debate nacional!

 
14 de dezembro de 2006

 

O relatório da OCDE (III)

As contradições podem ser só aparentes

Estou com grande dificuldade. Creio que muitos aguardam comentários sobre a hora ao relatório da OCDE, mas não me parece que seja honesto lançarmo-nos em "sound bites". Talvez fosse prudente calar-me por uns dias, reflectir bem sobre o relatório e só então comentar. Vou tentar estabelecer um compromisso, porque há coisas importantes para serem ditas, desde já.

Começo pelo desconforto de uma posição pessoal. Horroriza-me a ideia de poder ser considerado um oposicionista sectário e primário seja ao que for. Neste caso, assumi um posição frontal de critica à "operação OCDE", como exercício desresponsabilizador do MCTES e resultando num adiamento inaceitável de medidas urgentes já mais do que propostas por muita gente da casa. O meu principal argumento era exactamente esse, o relatório não iria trazer nada de muito novo.

Ora isto implica que eu estivesse à espera de um relatório correspondente ao que de muito bom por cá também se tem escrito. Em geral, confirma-se. Portanto, estar em eu oposição à "operação OCDE" não significa, muito pelo contrário (em geral), estar contra o relatório. Por isto, simbolicamente, vou começar por listar, de forma forçosamente condensada, as minhas concordâncias. Espero fazê-lo ainda amanhã, embora com reserva de se basearem numa primeira leitura do relatório. Só depois é que manifestarei as minhas criticas. Este folhetim vai ser longo.

 

O relatório da OCDE (II)

Em casa de ferreiro, espeto de pau.

Com alguma frequência, confunde-se "internacional" e "por estrangeiros". Não é bem a mesma coisa. No caso deste relatório da OCDE, há um componente internacional, o da aprovação final e, certamente, algumas linhas de orientação, mas, ao que julgo, o essencial decorre do trabalho de peritos individuais, de vários países, e sem vínculo à OCDE.

Isto é importante. São pessoas que circulam por trabalhos deste género. Até se pode admitir que portugueses também já o tenham feito (e fizeram). Neste caso, provavelmente teráo ido dizer ao país X o que agora os Y nos vieram dizer a nós. A ironia está nisto, estes exercícios são feitos, muitas vezes, por pessoas que recomendam aos outros o que não conseguem fazer vingar em casa. Conviria que, ao avaliarem outros, tivessem sempre isso presente e se interrogassem sobre o porquê.

Não é por não terem razão, é porque não têm força política. Outras vezes porque talvez nem tenham boa percepção política, não atendem a alguma contradição entre o discurso académico e o politico. O primeiro é o da utopia, o segundo é o do possível. A política, na sua maior nobreza, é a arte de fazer passar as melhores e mais generosas ideias pelo gargalo estreito da garrafa da prática.

Quero deixar bem claro que, com isto, não estou a criticar os peritos. Fazem o que eu fiz sempre que me foi possível, fazer circular ideias, mesmo que sem perspectivas de sucesso. Não se lhes pedem que se substituam aos governos.

Neste sentido, o relatório da OCDE arrisca-se a ser zero. O desconhecimento da nossa realidade política e cultural salta à vista, mesmo em leitura ainda na diagonal, sem prejuízo de um muito bom conjunto de diagnósticos objectivos. Darei exemplos. Mas uma coisa é o diagnóstico, outra a compreensão de como o doent aceita a terapêutica. Isto faz com que propostas consensuais fiquem a pairar nas nuvens, por falta de visão de como as levar à prática. Claro que isto não desmerece o valor de muitas propostas, que não são nenhuma novidade para mim. O problema é outro: como é que tanta coisa dita por muitos vai ser agora ouvida só porque há uma olímpica OCDE? Sim, para muitos leitores de jornais. Claramente que não, para o "macaco de rabo pelado" que é a cultura universitária. E, se calhar, em muitos aspectos, até para o governo, a quem o esperado presente pode não ser totalmente agradável. Nesses aspectos, claro que não o vai cumprir.

 
13 de dezembro de 2006

 

Sobre o relatório da OCDE (I)

Vai "dar pano para mangas". Não sei se haverá um espaço da net que sirva para fórum. Ofereço este, tanto para artigos de fundo como para apontamentos mais curtos (cerca de uma página A4). Sejam bem-vindos. Aqui vai o apontamento inaugural, de um dilecto amigo.

A reforma das universidades

José Ferreira Gomes

Acaba de ser apresentado o relatório da OCDE que nos propõe receitas que, por serem conhecidas não dispensam reflexão e acção rápida. Os dois grandes pontos são o modelo de governo e o financiamento. Comecemos pelo segundo.

A participação dos jovens portugueses na educação superior tem estabilizado e até decrescido nos últimos anos e contudo todas as comparações internacionais mostram que ainda tem de crescer bastante. Este simples facto desaconselha o aumento das propinas para além das regras actuais. A introdução de empréstimos deve ser tentada mas com alguma prudência porque a conhecida maior aversão ao risco das classes menos desfavorecidas pode introduzir um factor discriminatório indesejado. Este argumento não será aplicável ao segundo ciclo. A lei actual é totalmente iníqua ao pagar mais de 10 000€ por ano a cada futuro médico e negar os cerca de 2 500€ que custa educar um futuro cientista ou filósofo, mesmo que de excepção. A introdução de custos reais em todos os segundos ciclos com empréstimos garantidos pelo Estado não afastaria nenhum estudante já seguro do seu percurso para uma rápida profissionalização. Para o cientista e o filósofo, para o número relativamente pequeno de estudantes que pretendam seguir uma via académica não profissionalizante e que já tenham dado provas das sua capacidade, o Estado poderia ter de introduzir um sistema de bolsas para os estudantes de melhor desempenho e para as instituições de maior nível académico. O orçamento de estado espanhol já prevê uma verba significativa para lançar o sistema de bolsas estudantis em 2007. Esperemos que as negociações com a banca anunciadas pelo ministro Mariano Gago sejam conclusivas.

Quanto ao sistema de governo, sabíamos que a OCDE iria recomendar uma revolução e todos sabemos que o sistema actual está totalmente esgotado. A figura legal pode ser a de fundação mas a grande questão é a formação do Conselho de Administração (com o nome que venha a ter). A sobrevivência das nossas melhores universidades numa competição internacional que nos está já a levar os melhores estudantes exige que seja alargada a liberdade de governo estratégico mas o Governo e o Ministério das Finanças em particular, vai razoavelmente exigir garantias de controlo interno muito firme. Não é diferente numa organização privada que cria uma empresa dentro da sua holding. Dá-lhe todas as condições de sucesso mas não dispensa os mecanismos de controlo continuado para intervir antes que seja demasiado tarde e, mesmo assim, ainda há surpresas. O que vamos ter nos próximos meses é uma negociação interessante entre os dois ministérios: do lado do Ensino Superior a defesa da autonomia total como promessa de melhor desempenho; do lado das Finanças a imposição dos mecanismos de acompanhamento da gestão que detectem atempadamente qualquer desvio da desejável prudência. É de esperar que o resultado seja um modelo com maiores liberdades de governo que a autonomia actual mas com mecanismos de controlo que hoje estão completamente ausentes.

Para a valorização académica da universidade portuguesa, são boas notícias. O crescimento conseguido nos últimos anos é notável. Pela primeira vez na nossa longa história, temos universidades com qualidade comparável às dos nosso parceiros europeus. É importante reconhecer que os indicadores de produtividade científica dos professores/investigadores portugueses são hoje perfeitamente comparáveis aos dos espanhóis ou dos franceses. Alguns países já introduziram grandes reformas segundo linhas próximas das agora advogadas para Portugal. Uma renovação das condições de governo e de avaliação da educação superior e da ciência irá permitir que acompanhemos os que melhor estão trabalhar na construção da almejada sociedade do conhecimento.

 

Ainda a OCDE

Conversei há dias com um velho amigo sobre a operação OCDE e fiquei surpreendido. Ele situa-se num sector político muito oposto ao governo e, no entanto, manifestava alguma compreensão para com o MCTES: "MG tem de ter apoios, contra as resistências previsíveis". Claro que o meu amigo não estava a descobrir nada que não se saiba, a questão é outra. Em primeiro lugar, estou convencido de que as resistências, puras e duras, se vão estar nas tintas para o apoio estrangeiro ao ministro. Até vão gozar com isto, chamando a atenção para a falta de coragem política.

Muito mais importante é o desconhecimento ministerial de algumas coisas da dinâmica política, em que Sócrates tem sido mestre, tire-se-lhe o chapéu. Aproveitou a maioria absoluta para "fazer sangue", mostrou coragem, marcou a imagem de toda a legislatura, mesmo que depois as coisas sejam diferentes. E vão ser. A partir de meados de 2007, vai começar a pensar nas próximas eleições e vai adoçar o discurso.

Entretanto, MG perdeu tempo precioso, com o seu medo atávico do conflito e da impopularidade. Este exercício da OCDE, como o da ENQA, fez-lhe perder dois anos de capacidade de manobra. Quando quiser traduzir em medidas o que até admito que ele já tivesse pensado mas não se atrevendo a agir, vai-se confrontar com o calendário político do primeiro ministro. Racionalização do sistema e regulação? Lei da autonomia? ECDU? Talvez só no próximo governo, seja ele de que partido for.

 
11 de dezembro de 2006

 

Uma aposta é para se cumprir

A avaliação da OCDE vai ser apresentada esta semana. Tenho de me apressar em relação a uma aposta que fiz há tempos:
"Até vou fazer uma brincadeira, se tiver tempo: escrever a minha versão antecipada das recomendações da OCDE. Ponho-a na banca das apostas, duvido é que alguém aposte contra mim."
Aqui vai, obrigatoriamente só um resumo do essencial, deixando de fora, por exemplo, o que dirão sobre avaliação e acreditação, provavelmente repetição da ENQA. Leiam sem tirar conclusões precipitadas antes das minhas notas finais.Não vejam nesta lista a minha opinião pessoal. O que é tudo isto, segundo adivinho? É uma mistura de truísmos, de propostas com que não concordo, de outras positivas mas já avançadas cá por muita gente. No conjunto, muito blá-blá. Se este meu palpite se confirmar, vou reclamar às finanças a devolução do IRS da parte que me coube, como contribuinte, no pagamento da factura da OCDE.

Nota – Escrevi sempre educação terciária, expressão de que não gosto, mas que é oficial na OCDE.

 
9 de dezembro de 2006

 

Falta de originalidade

A utilização das ideias ou de dados relevantes, sem citação, é obviamente criticável. Mais complicado ainda é quando se refere de passagem um autor, mas depois não se diz claramente o que lhe é devido.

É o que se passa com o artigo de João Carlos Espada, no último Expresso, "O futuro da universidade", sobre o que já escrevi como Oxford em polvorosa. JCE está aparentemente defendido, por escrever que Timothy Garton Ash (TGA) publicou um artigo sobre isso no Guardian, para o qual chamei aqui a atenção. Também é certo que, muito brevemente, refere a opinião de TGA. No entanto, creio que nenhum leitor se lembrará de duvidar de que o restante texto de JCE não são as suas ideias, as suas informações, como se presume de qualquer texto de opinião.

Não são. A redacção é de JCE, mas não há uma ideia, uma informação ou um dado numérico que não venha no artigo de TGA. Não há mal nenhum em que JCE concorde com TGA (duvido de que concorde sempre) mas não pode dar a impressão de que foi o primeiro a ter a ideia. Arrogantemente (coisa bem portuguesa-intelectual), JCE esqueceu-se de que não é o único leitor português do Guardian. Deixo bem claro que não estou a acusar JCE de plágio, mas não tenho dúvida em afirmar que a sua lisura de rigor intelectual deixa muito a desejar.

Se JCE fosse apenas um colunista de imprensa, talvez eu não tivesse escrito isto. Mas não, é professor universitário, responsável, em parte maior ou menor, pela formação de muitos jovens. Considero tão essencial esta missão que, a um professor, não posso perdoar nada.

 
8 de dezembro de 2006

 

Cativações

Li há dias uma notícia segundo a qual algumas universidades, para suportar o pagamento do subsídio de Natal, tiveram de pedir ao ministro a descativação de verbas do seu orçamento de receitas próprias. Fiquei muito surpreendido, já que há anos estou fora da gestão de organismos públicos. Cativações no orçamento de receitas próprias? Nunca me lembraria de tal coisa.

Em princípio, concordo com as cativações, como instrumento prudencial. Como certamente a maioria dos leitores sabe, isto significa que é concedido um dado orçamento a um organismo, mas uma fracção fica cativada. O organismo pode fazer mensalmente a sua requisição de fundos, mas não podendo recorrer a essa verba cativa, a não ser em situação extraordinária e mediante autorização do ministro. Houve alturas de "vacas gordas" em que se chegava ao Outono e o governo decidia sempre a desactivação geral.

Quando se sabe que muitos orçamentos são irracionais, calculados de ano para ano por simples aplicação da taxa de inflação e geridos sem muito critério, a cativação é uma boa medida. No entanto, a situação das universidades e dos politécnicos é excepcional. Como lembrei aqui, recentemente, são, que eu saiba, os únicos organismos públicos com orçamentos calculados com base em critérios objectivos, pela fórmula. Das duas uma: ou pode haver esbanjamentos a justificarem as cativações e então a fórmula está errada; ou a fórmula é correcta, traduz o que as universidades necessitam mesmo e então não devia haver cativações, que significam assim um subfinanciamento.

Aberrantes, a meu ver, são as cativações sobre o orçamento de receitas próprias. Não é dinheiro do Estado, não sai dos cofres alimentados pelos contribuintes. A que propósito há-de o Estado ficar com parte dessas verbas, por via das cativações? Pior ainda, na prática. Boa parte dessas receitas são consignadas, isto é, são a contrapartida de compromissos específicos das universidades, como, por exemplo, projectos de investigação. Um corte nessas receitas, normalmente calculadas com objectividade, significa riscos para o cumprimentos desses compromissos. Muitos dos nossos projectos de investigação são financiados pela Comissão Europeia, directamente ou por via dos fundos comunitários de que se socorre a FCT. Eu gostava de saber se a Comissão está ciente de que parte desse financiamento reverte para os cofres do Estado, por via das cativações.

 
7 de dezembro de 2006

 

Ainda as fusões

Não pensei voltar ao assunto, depois do meu apontamento de ontem, mas vou dar um exemplo sobre o qual talvez muita gente não pense. Participei hoje num debate muito interessante, sobre a educação superior militar, organizado pelo Ministério da Defesa e pelo Conselho Nacional de Educação. Sobre isto, gostaria de discutir – fica para um dia destes – o problema essencial: até que ponto ela deve "obedecer" a Bolonha? O DL 74/2006 aponta para que sim, mas nunca vi isto na agenda de Bolonha de nenhum pais signatário.

O que vem a propósito é alguma conversa de café sobre o que alguns advogam, nesta fase de "racionalização", a fusão das três academias militares numa única universidade militar (para já não falar dos vários estabelecimentos politécnicos militares, que muitos desconhecem). Quem fez serviço militar, em particular na Marinha ou na Força Aérea, sabe bem como a cultura institucional, as tradições, tão importantes na formação militar, a forma como é concebida a disciplina, muito mais, diferem consideravelmente entre os três ramos. Por isto, compreendi muito bem a oposição a tal ideia que me foi manifestada por alguns oficiais.

Outra coisa é uma formação integrada que se baseie na actual doutrina militar da intervenção conjunta dos três ramos. É claro que tem de ser facultada também a nível da formação inicial dos oficiais, mas é uma redundância aceitável. Mais importante é que, segundo julgo, essa formação, aprofundada, é feita mais eficazmente em fases mais tardias da carreira e, para isto, há o Instituto de Defesa Nacional.

 
6 de dezembro de 2006

 

A OCDE antes de tempo

O relatório da OCDE só vai ser apresentado na próxima semana, mas parece já estar a começar a ter efeitos. "O Governo está a ponderar fechar uma das quatro universidades públicas em Lisboa, no âmbito da reorganização da rede de estabelecimentos de ensino superior que deverá avançar no próximo ano, avançou hoje o Diário Económico."

Parece-me simples cosmética. O que se pretende com uma extinção/fusão? Racionalização da oferta ao mercado, economias de escala, redução de encargos, melhor gestão? Com a excepção da possível integração do ISCTE na UL, nada disto me parece que resulte de qualquer extinção/fusão das universidades da área metropolitana de Lisboa.

Não vejo como possa haver melhor racionalização da oferta. A maioria dos cursos fica saturada, a oferta não é excessiva. Nos casos em que é, alguns cursos de letras e ciências, basta uma acção central ou institucional para concentração da oferta. Economia de escala? Mas se ela hoje nem existe, a nível de cada universidade, com uma gestão incipiente! Tenho como regra que uma gestão má de uma instituição se multiplica exponencialmente com a dimensão, não linearmente. Redução de encargos? É certo, menos uma reitoria, talvez alguma redução de serviços, mas provavelmente não muito considerável. Coisas funcionais, como o maior contacto de proximidade de massas criticas? Mas quê, vão-se construir novos edifícios para esses novos departamentos integrados?

O que é essencial é que qualquer remanejamento destes não iria afectar o financiamento global, o número total de professores, o número global de alunos. O que iria era reduzir a diversidade, afectar culturas institucionais estabelecidas e que, pela diferença, contribuem para uma emulação saudável. Além de que o gigantismo institucional, sabemos muito bem, é um dos principais factores de má gestão, entre nós. "Small is beautiful"!

Como em tudo, também esta é uma questão de custos-benefícios. O que é que de relevante se pode ganhar que compense minimamente a confusão e a perturbação funcional resultantes de uma fusão artificial de instituições com história e identidade muito marcantes? A menos que uma intenção escondida seja a de reduzir o número total de professores, como se a noção de excedentes fosse de aplicação fácil às universidades.

Muita coisa peregrina ainda está para vir, receio. Se o MCTES ou seja lá quem for tem uma nova ideia, o que exijo é que ma expliquem com rigor. Argumentos racionais, objectivos e, sobretudo, números.

Refiro o caso especial do ISCTE, uma simples escola com banda disciplinar estreita, que, no essencial, cobre áreas não abrangidas pela UL. Ainda por cima, está na sua área geográfica próxima. Porque não integrar-se na UL? É conhecida a resistência, que é uma prova de como coisas destas são muito difíceis, face à (in)cultura corporativa universitária.

 
4 de dezembro de 2006

 

Um reitor de mãos atadas

Há uma onda de indignação na Universidade de Évora, perfeitamente justificada. Um aluno, depois de prolongadas ameaças e telefonemas terroristas, agrediu fisicamente um professor, com grande violência. Parece que tal indivíduo, que continua a frequentar as aulas, exibe arrogantemente a sua impunidade e continua a provocar o professor. Não é caso único. Quando pertenci à comissão disciplinar do senado da UNL, houve um caso semelhante que só se resolveu porque o aluno entretanto foi preso por droga e perdeu por faltas.

No entanto, as criticas frequentes ao reitor que têm sido feitas por falta de inacção não são justas. O senado tem competência disciplinar, mas que tem de ser exercida com base num estatuto disciplinar. Não há problema no caso de professores e funcionários, que estão ao abrigo do estatuto disciplinar da função pública.

O caso dos estudantes, é diferente. Leiam o nº 2 do artº 9º da lei da autonomia: "O regime disciplinar aplicável aos estudantes deve ser definido por lei, sob proposta do Conselho de Reitores, após audição das estruturas representativas dos estudantes". Dezoito anos depois, o inefável CRUP nunca se deu ao trabalho de elaborar essa proposta. Pudera, quantas eleições reitorais se fazem com namoro aos estudantes?

Jorge Araújo está de mãos atadas. Resta-lhe apenas dar um valente murro na mesa, na próxima reunião do CRUP.

Nota – Outro caso notório, infelizmente tão frequente, é o da fraude nos exames, o copianço. O mais que acontece é a anulação da prova, sem impedir que o aluno vá tranquilamente à segunda época. Penalizá-lo disciplinarmente (a meu ver, com expulsão da universidade) é que não é possível.

P. S. 13:55 - Fui injusto e agradeço a correcção do Prof. Luciano de Almeida, presidente do CCISP (ver os comentários). O CRUP e o CCISP fizeram a sua proposta em 2002, que está esquecida em alguma gaveta do MCTES.

 
1 de dezembro de 2006

 

Prós e Contras (II)

O meu apontamento sobre o Prós e Contras suscitou um número inusitado de muito bons comentários, mas fico com a ideia de que não consegui transmitir duas ideias principais sobre a minha intenção. Em primeiro lugar, quis dar uma opinião pessoal de quem se põe no lugar do espectador leigo, como nos acontece nos debates eleitorais, em que surge sempre a pergunta "quem ganhou?". Isto pouco tem a ver, muitas vezes, com o que efectivamente se diz e que deve ser criticado ponto a ponto. Em segundo lugar, preocupou-me, talvez um pouco subjectivamente, fazer a ligação do debate ao que eu próprio tinha escrito nesse dia, "o MCTES governa por omissão".

Isto não significa que uma prestação fraca (e isto, como se vê pelos comentários, tem bastante de pessoal e impresionista) não tenha contido aspectos com que concordo. Começo por dar o exemplo aparentemente contraditório, da minha reacção às quase diluídas intervenções de Moniz Pereira. Escrevi antes que lamentava vê-lo ali e expliquei porquê. No entanto, isto não obsta a que eu concorde com o que ele disse, também o tenho dito: as universidades não são pró-activas, vivem à defesa, numa uniformidade confortável, não competem, não têm, em geral, pensamento estratégico. Também é verdade que são muitas vezes mal geridas, mas dizer isto é perigoso num momento em que nem se coloca o problema da gestão, face ao facto de muitas não terem, em 2007, um orçamento que chegue para pagar os salários.

O mesmo em relação ao ministro. Critiquei a prestação geral, estou em desacordo com muito do que disse e que considero pouco rigoroso, como, por exemplo, a justificação de tão pesados cortes com o esforço gral de contenção orçamental, mesmo pondo em risco a cobertura das despesas fixas de pessoal, a tese de que as universidades podem recorrer às verbas da ciência, a afirmação de que a relutância em relação às opiniões internacionais é um sinal de subdesenvolvimento, muito mais. Desmontar isto seria repetir muito do que tenho escrito recentemente. No entanto, estive completamente de acordo quando fez uma caracterização impiedosa do nosso sistema e das suas instituições. Não estar de acordo seria contrdizer muito do que tenho escrito. Simplesmente, um ministro fica limitado em relação às melhores opiniões pessoais, porque, então, tem de responder a uma pergunta básica: "o que fez, como ministro, para mudar isso?"

No apontamento anterior, não me referi a um aspecto importante. Muito pouco se falou da natureza e da reorganização do sistema de educação superior. Do politécnico, quase nada se disse. Estou de acordo, em princípio, com o ministro quando disse que a sua integração na universidade não é boa solução. No entanto, já não tenho ideia (falha minha de memória), se isto era uma afirmação em geral ou se também significava a recusa de qualquer integração pontual, que não rejeito.

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