30 de outubro de 2006

 

Afinal, há muito orçamento

Título do Público de 27 de Outubro: "Gago diz que superior pode beneficiar de verbas para a ciência". O que diz o artigo?
"No Orçamento do Estado para 2007, a investigação científica é a única área em que sobem as despesas de investimento: 77 por cento face ao orçamento inicial de 2006. No ensino superior há reduções nas despesas de funcionamento - 4,4 por cento nas universidades e 2,4 por cento nos institutos politécnicos. Mas vão poder concorrer aos dinheiros da ciência para investigação."
Isto não é sério e Mariano Gago ministro não se deve sobrepor a Mariano Gago académico rigoroso.

A crise de financiamento das universidades não tem nada a ver com a investigação. Tem a ver com o pagamento do pessoal, da electricidade, do telefone, da limpeza, etc. Pode-se usar para isto o financiamento da investigação?! Usar o financiamento da ciência para o componente de investigação das universidades, que novidade. Sempre o fizeram. E até tiveram mais, o adicional de cerca de 6%, que desapareceu da fórmula. Mas como se transfere isto para o Orçamento de Estado e para as suas despesas correntes? O financiamento dos projectos da FCT vai cobrir a água, a limpeza, a electricidade, o telefone? Estão a gozar com o pagode e eu não gosto mesmo nada de ser gozado.

 
27 de outubro de 2006

 

O Instituto Europeu de Tecnologia

Durão Barroso fez-se paladino da criação do Instituto Europeu de Tecnologia, a pretender competir com o MIT. A meu ver, começa por haver uma grande diferença entre um instituto concentrado fisicamente, num campus, como o MIT, e um instituto espalhado por toda a Europa.

Já há grupos portugueses em grande expectativa em relação a esta oportunidade de internacionalização, mas também de afirmação interna. Não é assim por toda a Europa. Pelo menos, os reitores ingleses manifestam reservas, segundo um artigo do Guardian:
Vice-chancellors have warned that plans for a European rival to the Massachusetts Institute of Technology (MIT) could simply be a duplication of existing partnerships between universities and industry.

José Manuel Barroso, the president of the European commission, is spearheading plans to create a "European Institute of Technology" (EIT). Such a body would, Mr Barroso argued, "act as a pole of attraction for the very best minds, ideas and companies from around the world".

The institute is one of the commission's main instruments for enabling the EU to close the spending gap between Europe and the US, Japan - and, increasingly, China and India - on research and development (R&D) and reach a target of 3% of GDP by the end of this decade.

Mr Barroso's initial plans for an EIT stirred opposition from universities and some governments which feared it would be an over-centralised body creaming off the best researchers in higher education, institutes and business.

Drummond Bone, the president of Universities UK, the umbrella group representing vice-chancellors, said: "While welcoming the justification of the analysis underlying the EIT project, and appreciating that it is now better defined than previously, we still have some serious reservations.

"To what extent will the funding for EIT impact directly or indirectly on the EU's seventh framework programme and European Research Council budgets? This is still profoundly unclear.

"We are also concerned about the mechanisms which will be necessary for the EIT to ensure the quality of its own degrees. And what, practically, would be the added value of the EIT to the numerous collaborations which already exist between university consortia and industry."

The commission adopted the proposal last week at the informal meeting of EU heads of state and government in Lahti, Finland. The commission has now agreed that the EIT will consist of just a 19-strong governing board, including 15 "high-profile" people from business and science, and 60 scientific and support staff.
Jan Figel, the education commissioner, said initial funding would be €308m from the EU's own budget, but Brussels is also looking to the private sector. Among the companies cited as interested are Siemens, Microsoft, Pfizer, Ericsson, Nokia, Unilever, Volkswagen, BP and Shell.

 
25 de outubro de 2006

 

Duas entrevistas a não perder

Muito recentemente, Marques dos Santos, reitor da U. Porto deu duas entrevistas muito interessantes, ao boletim dos antigos alunos (UPorto, Set. 2006) e ao jornal da academia (UUP, Outubro 2006). É impossível referir-me neste espaço a todo o conteúdo e vou limitar-me ao que diz sobre a governação, mas talvez ainda reproduza as suas afirmações sobre o CRUP e a nivelação por baixo, bem saborosas e, que para quem me leu, imagina-se como as recebi. É o segundo reitor que conheço, dos actuais, com a opinião que exprime sobre o nosso sistema de governação universitária. O problema é que ainda faltam doze.
"P - A U. Porto está a preparar uma proposta legislativa de revisão do modelo de gestão. Em que consiste?

R - A preparação do documento começou ainda na vigência da equipa reitoral anterior. Resta burilar essa proposta, discuti-la, e entregá-la ao Ministério. Julgo que a tutela está convencida da necessidade de revisão desse modelo, que, no essencial, está em vigor deste o final da década de 70.

Qualquer modelo de gestão terá de ser claro na atribuição de confiança a quem gere, na avaliação e na responsabilização. Quem gere tem de ter condições e autonomia para exercer a sua actividade, devendo ser avaliado por quem de direito, através da verificação do cumprimento dos objectivos traçados e, na sequência disso, reconhecido ou responsabilizado pelos resultados alcançados. Se houver responsabilização pelo cumprimento dos objectivos e se p salário e a manutenção da função for dependente desse cumprimento, dificilmente haverá lugar ao compadrio! Nessas condições, só um tolo contrataria profissionais medíocres que iriam concorrer para o mau resultado da sua actividade!

A proposta que estamos a preparar mantém o Reitor e a Equipa Reitoral e prevê um Conselho Geral onde têm assento pessoas de mérito intelectual ou científico inquestionáveis, conceituadas publicamente. Esse Conselho elegeria o Reitor, segundo modelos ainda a definir. É uma proposta ainda a afinar e a discutir. Entendo que quem gere não pode ser eleito por quem é gerido, porque quem gere pode ser obrigado a tomar decisões que podem contrariar os interesses de quem é gerido. É, portanto, errado gerir em subordinação aos interesses dos geridos. Por outro lado, se quem é gerido escolher os gestores, a tendência é para a escolha de um gestor que agrade sempre. Nas empresas, aliás, por norma, não se pode ser simultaneamente funcionário e membro do Conselho de Administração. A este nível, os princípios de gestão nos dois meios, no ensino superior e nas empresas, devem ser comuns.

Em Portugal, considero que as falhas maiores estão na organização, na gestão e na exigência - no bom sentido, porque a sociedade tem direito a exigir bons resultados do investimento dos seus impostos. Sei que estas afirmações são polémicas, mas foi este o discurso que sempre tive e pelo qual fui eleito Reitor."
A última frase faz-me pensar. Que um reitor exprima posições destas é invulgar mas até se pode considerar já hoje, mesmo entre nós, como esperável de quem certamente tem reflectido muito sobre a universidade. Mas, como diz o reitor, foi eleito com conhecimento público desta sua opinião (aliás partilhada pelo outro concorrente). Isto é que, para mim, é surpreendentemente muito agradável. Sou, por natureza, um optimista até romântico. Estarei a sonhar ao pensar que alguma coisa está a mudar na universidade?

P. S., 18:26 - Veio-me só agora à ideia uma questão relacionada com a liderança. Um dos poderes discricionários dos reitores é o da escolha da equipa reitoral, vice-reitores e pro-reitores. Com que critérios os escolhem? Competência? Ou que peso têm as considerações menores de equilíbrio corporativo entre escolas ou entre correntes de opinião no senado? E, já que escrevi sobre a U. Porto, porque é que no seu sítio da net não figuram em destaque os currículos de todos os membros da equipa reitoral?

 
23 de outubro de 2006

 

Financiamento: uma provocação

Há pouco tempo, escrevi um artigo a sério e realista sobre o financiamento. Hoje, em dia de boa disposição, coisa essencial na sabedoria/tristeza dos sessentas (viçosos! geração de 44), apetece-me brincar e ser provocador, sabendo de antemão que vou ser vituperado como mercantilista, empresarialista, etc. É que há um modelo de financiamento radicalmente oposto ao que defendi no tal artigo. Corresponde a uma figura institucional aberrante para a cultura universitária, mas devem explicar-me porquê, para as coisas terem discussão racional: a de empresas públicas ou, melhor, entidades públicas empresariais (EPE). Note-se que, nesta provocação, não estou a defendê-lo, estou só a admiti-lo, a priori.

Imaginem uma empresa. Os seus produtos não têm preço fixado por ela, mas sim pelo mercado. Os custos são o problema dela. Para ter lucro, não podem ser superiores aos proveitos. É o caso de uma universidade privada. As suas receitas são as propinas, mas aí sujeita-se à competição do mercado. É com este financiamento que tem de suportar os custos.

Mas isto não tem a ver com as entidades públicas? As tarifas da TAP também são determinadas pelo mercado. Dá prejuízo e aí entra o financiamento público. Outras entidades públicas, como alguns hospitais EPE, também se regem por processos semelhantes: a base de financiamento é mercantil, o Estado intervém acessoriamente para garantir o serviço público. Tanto quanto sei, posso estar enganado, os hospitais EPE não têm orçamento de Estado. Recebem do Estado e dos utentes (taxas moderadoras) o valor dos serviços prestados, embora esse valor não seja livre, antes fixado pelo ministério. Com estes proveitos, governam os custos. Em que é que as universidades são diferentes?

Qual é o produto de uma universidade? Obviamente, o diplomado e é muito fácil saber qual o seu preço. É em função dele que as despesas e o financiamento da universidade-empresa têm de ser determinados. Ou é rentável ou está em falência e o papel do Estado proprietário é o de injectar ou não mais financiamento, como faz com os subsídios à TAP, à Carris, ao Metro e a tantas outras empresas públicas. É isto que define o serviço público, que não se pode pautar exclusivamente pelas regras do mercado, mas pelo qual o governo responde perante os eleitores.

O que seria, nesta perspectiva, o financiamento das universidades? Qualquer coisa que, na perspectiva do serviço público, tem a ver com: 1. Gestão empresarial de mercado. 2. Fixação de "preços sociais" pelo Estado. 3. Compensações financeiras para equilíbrio da "empresa".

No essencial, coisa bem simples. As universidades "vendem" (isto vai ter de ir cheio de aspas, para que a minha provocação não me cause pancada a mais) um "produto", o diplomado, em cada instituição e em cada área disciplinar com o seu custo. É fácil de calcular. Sendo um bem público, o Estado tem o dever de fixar o valor máximo desse "preço", subsidiando o eventual excedente, se assim o entender. Na boa regra de partilha público-privado, o Estado suporta 75% do preço e os estudantes o restante.

 
18 de outubro de 2006

 

Os malefícios de Bolonha

Já não bastavam as coisas sérias sobre Bolonha à portuguesa, temos surpresas surrealistas. Há dias falei de Bolonha e da praxe. Agora leio, por intermédio do Canhoto, uma notícia da Lusa, do passado dia 12. Não sei é para rir se para chorar.
«A redução do tempo dos cursos do ensino superior devido à sua adequação ao processo de Bolonha poderá pôr em causa a sobrevivência de muitas tunas académicas do país, alertou hoje um membro da Infantuna, de Viseu. João Paulo Sousa, que está responsável pela organização do IV Encontro Nacional de Tunos - a realizar em Viseu, disse à Agência Lusa que este é "um dos problemas mais graves" que vivem actualmente as tunas. "As pessoas vão passar menos tempo nas universidades, há a pressão do mercado de trabalho e aquilo que vão prejudicar são as actividades extracurriculares", lamentou. A proximidade que as tunas têm com o público é considerado um dos principais factores para a grande receptividade que tiveram e ainda têm, bem como o seu tipo de música que, "embora tendencialmente mais elaborada que os congéneres grupos de expressão popular, ainda assim é facilmente perceptível", refere uma nota da organização. "Ainda por cima quando embrulhada com algumas brincadeiras juvenis de cariz cómico, sarcástico e burlesco, provocando serões de descontracção e alegria comummente bem aceites, contactos directos com uma pedinchice inteligente e bem tolerada, ou surpresa de folgazã e romântica serenata a horas e em locais inesperados, normalmente para gáudio de vizinhos e transeuntes e preocupação dos progenitores da(s) visada(s)", acrescenta.»

 
17 de outubro de 2006

 

Bolonha segundo Marçal Grilo

Tenho sempre redobrados motivos para ler com atenção – e concordância, em geral – o que escreve Marçal Grilo. Agora, foi uma entrevista ao Público (16.10.2006). A entrevista abrange variados aspectos da educação, mas fico-me pelo que diz respeito a Bolonha. À pergunta "Não se sente frustrado com a forma como muitos cursos foram reestruturados à luz do protocolo de Bolonha?", respondeu:
"O que aconteceu não teve nada a ver com o espírito do protocolo de Bolonha, que tive muita honra de assinar, enquanto ministro. A ideia era que as universidades se organizassem, se ligassem, criassem redes onde alunos e professores pudessem circular. Isso não aconteceu e caiu-se numa discussão normativa sobre os cursos deviam ter três mais dois anos, ou quatro mais um, com os governos a acabarem por ter de tomar decisões.

Por isso, apesar de na altura eu ter sido contra o facto de a Comissão Europeia ter sido signatária da Declaração, a verdade é que hoje a comissão lançou uma série de iniciativas, como muitos incentivos financeiros, para que universidades de vários países europeus se juntem para organizarem cursos de mestrado ou doutoramento. Pode ser que assim se chegue a Bolonha, cujo objectivo não era ter graus todos iguais, era permitir uma grande mobilidade dos estudantes e dar às universidades europeias possibilidades de ganharem dimensão para competirem com as norte-americanas.

Isto não nada a ver com o que sucedeu em muitas escolas, onde se pegou nos "três mais dois" e tratou-se de ver onde cabiam os professores e as matérias dos cursos anteriores."
Por aquilo que tenho visto de "cursos adequados", acho deliciosa a ironia da referência "onde cabiam os professores". Há alguém que queira perder o seu lugar ao sol?

 
16 de outubro de 2006

 

Relatório e contas

Nos últimos tempos, conto por uma boa meia dúzia o número de instituições de educação superior que publicaram nos jornais os seus relatórios e contas do ano passado. São ainda poucas mas o importante é que começam a ser. Neste último fim de semana, foi a FEUP. Tenho razões para me regozijar porque talvez os leitores recordem que há muito venho insistindo nisto, como coisa obrigatória, a dar alguma transparência e "accountability" à autonomia. No entanto, pergunto-me porque é que só agora são publicadas as contas legalmente apresentadas em Maio passado.

Uma nota a propósito de contas. Quem se dedica a estudar o financiamento da educação superior, defronta-se com a grande dificuldade de falta de acesso a dados essenciais como, por exemplo, os custos específicos dos vários cursos, totais e por aluno ou por docente, nas diversas instituições. Isto é tanto mais importante quanto, este ano, a fórmula passou a ser calculada por índices de custos. O actual plano de contas, o POCE, inclui contabilidade analítica que cobre tudo isso. Como se podem obter esses dados? O MCTES dispõe deles, convenientemente trabalhados, ou os balancetes do POCE estão perdidos nos arquivos do Ministério das Finanças e do Tribunal de Contas?

 
13 de outubro de 2006

 

Assistência às aulas teóricas

Vale a pena ler um artigo de há dias, no Guardian: "Universities try clocking in to stop students skipping classes". Em média, há cerca de 10% (!) dos estudantes universitários ingleses que faltam sistematicamente às aulas. Em cursos muito grandes, é tecnicamente difícil controlar a assiduidade. Recentemente, Cambridge e Oxford passaram a exigir aos estudantes um compromisso de honra em como assumem como seu dever ir a todas as aulas. Claro que essa declaração vale o que vale, mas certamente muito mais na Inglaterra do que em Portugal. A medida agora em vigor numa universidade inglesa é mais moderna, é uma assinatura electrónica de presença.

Lembra-me uma coisa nossa que nunca percebi, a tradição, já do meu tempo de estudante, de as aulas teóricas serem facultativas. Se o são, é porque não são essenciais. Se não são essenciais, são um enorme desperdício para as universidades.

Quem ler o artigo verá que uma preocupação central das universidades inglesas se liga com a relação entre a ida às aulas e o sucesso escolar. "There is a distinct correlation between attendance and attainment. Students who miss out irregularly, we are not going to target. They may have had a bit of a late night the night before. Students are targeted if they miss three consecutive learning events ... Over 50% of our students work part-time and we are finding a lot of our students who work in take-aways on a Thursday night are missing a Friday morning. (…) In humanities last year we identified 35 students who would have withdrawn if we had not intervened. It is life-changing. A false start in the first few weeks of university can be devastating. Students were sceptical originally but are now supportive."

Só posso falar da minha experiência pessoal. Por mais que recomende leituras apropriadas, verifico que os meus alunos que vão sistematicamente às aulas (felizmente uma boa maioria) têm resultados superiores aos daqueles cujas caras só vejo no exame. E eles sabem, mas, mesmo assim, subscrevo a frase final do artigo do Guardian: "more should be done to address the underlying reasons behind poor attendance."

 
9 de outubro de 2006

 

A transição para Bolonha

Esta história verídica mostra as confusões que por aí vão sobre Bolonha. Uma jovem acabou o primeiro ano de uma licenciatura actualmente de 5 anos. Foi agora inscrever-se para o próximo ano lectivo e só tinha uma escolha: ou se inscrevia no segundo ano, prosseguia o currículo anterior , daqui a 4 anos, saía licenciada; ou se inscrevia no 1º ano do curso novo, de licenciatura de 3 anos, prosseguindo depois para o mestrado. Neste caso, ficaria mestre daqui a 5 anos.

Ao contrário do estipulado no DL 74/2006, não estão previstas nenhumas regras de transição. Não é caso único. Mais surpreendente, ninguém conseguiu informar a jovem sobre se lhe seriam reconhecidas para o novo primeiro ano as disciplinas, agora unidades curriculares, já concluídas o ano passado.

O pai dessa jovem consultou-me. em primeiro lugar, perguntava-me se isto era legal. Tive dúvidas em responder, atendendo ao grau de generalidade do que se diz no decreto quanto à transição e ao facto de, para todos os efeitos o curso já ter sido registado. Uma coisa, todavia, é certa. Fui ao sítio do curso e não há a menor informação sobre a transição. Nem se garante a continuação futura para um futuro mestrado, no esquema de dois ciclos, porque o actual mestrado ainda não está registado como adequado a Bolonha. Bom exemplo de transparência, numa das principais escolas deste pais.

Pedia-me também conselho sobre a escolha, em termos de competitividade no mercado de trabalho. A resposta foi simples em termos de reconhecimento profissional, porque se trata de uma engenharia qualquer das duas possíveis formações totais de 5 anos será reconhecida pela Ordem. Mas o emprego? Coisa difícil. Alguém imagina como é que o mercado de trabalho vai reagir ao esquema em dois ciclos? Já escrevi muitas vezes que um dos vícios principais de Bolonha à portuguesa é ter deixado completamente de fora do estudo e da discussão a sociedade, com relevo para os empregadores. Mas é lógico, da universidade é a universidade que sabe e só ela.

Nota final – sobre este último parágrafo, penso muitas vezes numa coisa que aí vem, inevitavelmente, a revisão das carreiras da função pública em função dos novos graus. Por enquanto, ninguém se atreve a falar nisto, mas os sindicatos não são complacentes. Nessa altura, os governantes do sector da educação superior vão ter de ser políticos e não só universitários. Quero ver como descalçam a bota. Eu adivinho, mas ainda vou tendo algum optimismo utópico.

 
6 de outubro de 2006

 

Porque é que os estudantes de Coimbra estão contra Bolonha?

À beira do fim de semana, apetece um apontamento leve. Eu julgava que sabia alguma coisa de Bolonha, até me ter apercebido de um problema em que ainda não tinha pensado e para que, há dias, em Coimbra, me chamaram a atenção. Bolonha tem consequências gravíssimas e inaceitáveis para a praxe coimbrã!

Os que por lá passaram lembram-se de que toda a praxe está codificada em função dos seis níveis de estudantes: calouros, semiputos, putos, quartanistas, fitados, veteranos. Já a redução da duração de muitas licenciaturas para quatro anos subverteu isto, mas agora? Semiputos a queimarem o grelo?! Putos a usarem pasta com fitas?! Definitivamente, recusemos Bolonha, porque há outros valores mais altos que se alevantam.

No entanto, como me acontece com frequência nestes escritos, começo a brincar e acabo a sério. A velha praxe coimbrã, a que fui sujeito sem grande vexame, assenta na cultura e na primazia do veterano. Sabem o que isto é? É aquele que já tem mais matrículas dos que as necessárias para completar o curso. E a autoridade praxística máxima, o dux, é o mais veterano dos veteranos. Isto pode parecer picuinha, mas é a cultura boémia da valorização do insucesso escolar. Ela ganha-se nos bancos da universidade e sedimenta depois na sua variante, para a vida, da cultura da não exigência. Assim, faltará sempre cumprir Portugal.

 
4 de outubro de 2006

 

Nivelação por baixo

A fórmula de financiamento tem-se vindo a complicar, exercício de engenheiros. Nada de substancialmente diferente, mas certamente um desafio para os muitos dirigentes universitários iliteratos em numeracia. Desde o ano passado que introduz um parâmetro relativo ao sucesso escolar, o ano passado uma majoração até ao máximo de 20%, este ano, muito bem, de 25%. Vamos a ver o que isto é. Resulta num factor final da fórmula, que, por comodidade, vou só discutir em relação ao primeiro ciclo.

O cálculo, para a instituição j, é TEP0j = (3 x D + I - A) / (4 x (I / d)

sendo D o número de diplomados do curso (por comodidade, não vou referir quantos anos antes), I o numero de alunos inscritos, A o de abandonos, da duração do curso. Em princípio, muito bem. O mal, a meu ver, é que, na fórmula final, este índice é normalizado. Este parâmetro é só bonificador em relação ao mínimo. Só há beneficiações, não há penalizações em relação à média, porque tudo se calcula em relação ao mínimo. O orçamento final aumenta o orçamento base calculado por factores de custo por um factor de sucesso E = 1 + 0,25 x TEP.

Como disse, TEP0 é normalizado entre 0 e 1: TEPj = (TEP0j – TEP0min) / (TEP0max – TEP0min), referindo-se o máximo e o mínimo à totalidade ds instituições. Isto significa que, na fórmula final, E nunca pode ser inferior a 1, portanto nunca diminuindo o orçamento padrão, isto é, nunca penalizando instituições que possam ter taxas de insucesso vergonhosas. Proporia a variação entre 0,85 e 1,15. É fácil redefinir a fórmula (já o fiz), mas não vou maçar os leitores que não gostam muito de números.

É claro que isto causaria grande sururu, mas não se esqueçam que há o factor de coesão, tão generoso a ajudar os ceguinhos, mas também a penalizar os muito bons. Tenho-me esforçado mas a minha matemática não me chega para decompor o efeito da coesão nos diferentes parâmetros da fórmula. Mas bem gostaria de saber, no orçamento final depois da coesão, que peso acabaram por ter os parâmetros de qualidade.

Por tudo isto, em princípio, sou contrário ao factor de coesão. Em alternativa, julgo que o ministério devia retirar da dotação geral uma fracção para um fundo de coesão, a gerir à margem da fórmula por negociação directa com as instituições em crise. Afinal, é o que faz com os cada vez mais frequentes reforços orçamentais. No entanto, antecipo que esta idéia será muito polémica. Aqui estou eu sempre aberto ao debate.

Nota final: tudo isto se aplica, mutatis mutandi, ao outro parâmetro de qualidade, o da qualificação do corpo docente.

P. S. 13:34 - Uma mensagem de uma leitora obriga-me a um esclarecimento. A referência ao exercício de engenheiros foi irónica mas não depreciativa. Mantenho que a fórmula se tornou mais difícil para os menos versados em cálculo, mas foi o preço de uma indiscutível melhoria. A velha fórmula calculava os orçamentos padrão, sem correspondência com a dotação geral. Agora, pelo parâmetro dotação anual por aluno, o resultado é definitivo e já não depende do então chamado factor de convergência. De qualquer forma, como concorda a minha leitora, não há motivo para alterar o que escrevi sobre o actual factor de coesão.

 
3 de outubro de 2006

 

Um ministério para dois ministros

Podia limitar-me a chamar a atenção para o artigo com este título de César de Sousa, hoje, no Diário Económico, mas creio que merece transcrição integral.
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) está, gradualmente, a transformar-se num mistério, com contornos sugestivos que têm elementos mais interessantes do que as emoções burocráticas que ainda o agitam e que devia ser apreciado de forma mais atenta.

Antes da vitória do PS em 1995, o actual ministro, José Mariano Gago, era um activo protagonista nos debates de política educativa, situando-se à esquerda e tendo chegado a defender a frequência gratuita do ensino superior. Nessa altura, o Ministério da Educação esteve prestes a ser dividido em dois (ensino não superior e ensino superior e ciência, como já acontecera em 1979) mas o indigitado ministro da Educação, Marçal Grilo, recusou a partilha. O resultado foi um Ministério da Ciência débil, condenado a só ter protagonismo quando se combinavam as ideias e as verbas disponíveis, e um Ministério da Educação forte e mantendo a tutela do ensino superior.

Foi Durão Barroso que criou em 2002 dois ministérios: Educação, por um lado, e Ciência e Ensino Superior, por outro. A seguir, Pedro Santana Lopes e José Sócrates mantiveram a divisão. O resultado, evitável, foi um Ministério com a tutela, bem sucedida, da Ciência (que requer algumas verbas bem geridas e muita simpatia) e, mal sucedida, do Ensino Superior (onde o melhor é não fazer e acarinhar os reitores). Mariano Gago não se fez notar, mantendo-se à margem de todos os médios e grandes problemas do sector. E os grandes feitos desta sua governação foram um decreto-lei de 16 páginas e 85 artigos sobre o “processo de Bolonha” e a renovação entusiástica do regime de “numerus clausus”. E, vagamente, um função de pajem nos sobressaltos públicos do “plano tecnológico”.

O MCTS de Sócrates tinha, no entanto, um outro ministeriável: Pedro Lourtie. Colega de Mariano Gago no Instituto Superior Técnico e no PS, foi um activíssimo sindicalista do Sindicato do Ensino Superior (de que foi fundador), entrou na administração do Estado como director-geral do Ensino Superior em 1997 e ainda chegou a secretário de Estado do Ensino Superior com António Guterres.

No início deste governo, o antigo sindicalista só podia alimentar reduzidas esperanças de chegar ao MCTS. A sua ligação familiar a Ana Maria Bettencourt (conselheira de Jorge Sampaio em matéria de política educativa e, em 1993, porta-voz do PS para a educação antes de ser substituída por Guilherme d’Oliveira Martins, o agora presidente do Tribunal de Contas) e o seu passado sindical não o favoreciam.

No entanto, a maioria absoluta parece ter uma vertente divina e dá origem a verdadeiros milagres. E, assim, temos Mariano Gago distante da presidência do Conselho de Ministros, o que por acaso coincide com o afastamento entre o primeiro-ministro e o “plano tecnológico” que anda desaparecido em combate, e Pedro Lourtie mais activo e interventivo, marcando o terreno (não a “agenda” do sector porque ela já anda perdida há muito tempo), ocupando-se mais da falta de iniciativa do actual ministro da Ciência e do Ensino Superior do que de alguns problemas que nunca foram resolvidos - por exemplo: o dos empréstimos a estudantes, para acabarem o curso, “dossier” entregue a Pedro Lourtie em 1998.

Vejamos um exemplo recente. No passado dia 12 de Setembro, o “Diário Económico” publicou um texto de Pedro Lourtie sobre a criação da Universidade de Cabo Verde (Uni-CV), projecto luso-caboverdiano lançado em Outubro de 2003 onde o antigo secretário de Estado do Ensino Superior escrevia: “Reconheço que o meu envolvimento é mais do que estritamente profissional e, com ou sem projecto, já manifestei a minha disponibilidade para continuar a dar o meu contributo para que a Uni-CV seja o sucesso desejado”.

Nesse texto, Pedro Lourtie recordava que ia ser entregue o Plano Operacional da Uni-CV a Mariano Gago e escrevia: “… por decisão do ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, o projecto que em Portugal tem suportado a execução do Plano Operacional será dado por terminado. Apesar das tarefas previstas não estarem concluídas”. E terminava: “É possível que a inserção do projecto no MCTES não seja a melhor e que este devesse ser desenvolvido no âmbito do Ministério dos Negócios Estrangeiros”.

O texto suscita três interrogações pertinentes: o MCTES não vê nada para lá das fronteiras senão o “processo de Bolonha”? E, ao contrário de outros ministérios, não tem capacidade para assegurar a sua quota-parte da cooperação internacional do Estado português? E como faria Pedro Lourtie se fosse ele o ministro?
Subscrevo quase inteiramente. O quase deve-se a duas questões. Em primeiro lugar, nada sei sobre as motivações políticas de Pedro Lourtie, por quem tenho grande estima, e não me pronuncio. Em segundo lugar, o assunto da divisão do ministério no primeiro governo Guterres. Participei muito activamente nos Estados Gerais e confirmo que Guterres era favorável a esa divisão. Duvido é que a sua não concretização se tenha devido a Marçal Grilo. Ao que me consta, foi a relutância de Mariano Gago em defrontar um problema muito quente de então, o das propinas.

 
2 de outubro de 2006

 

A entidade reguladora

Uma das hipóteses que sugeri num apontamento recente para a nomeação do presidente da universidade foi a de a nomeação caber a uma entidade reguladora independente. Não parece estar nos planos do governo a criação dessa entidade. Depois de um longo período de desregulação, deixada ao livre arbítrio das universidades, começa a haver sinais de uma chamada da regulação ao poder do governo, como se vê pelas novas regras de registo de cursos estabelecidas pelo DL 74/2006. É certo que se prevê uma agência de acreditação, mas que é coisa mais limitada e instrumento técnico do ministério.

Desde há muito que defendo a criação de uma Agência Reguladora da Educação Superior (ARES). Há actividades muito complexas que beneficiam de regulação por agências independentes, como é norma da Nova Administração Pública. Já as temos, em muitos sectores, como a saúde, a concorrência, as comunicações. São também uma forma de solidificar a confiança dos utentes, sem suspeitas de instrumentalização governamental.

Para exemplificar, escrevi já em 2001, creio que ainda ninguém pensava nisto, no meu livro “A universidade no seu labirinto”:
“À semelhança de outros instrumentos mistos de regulação, e na perspectiva de concertação que defendi, sugiro a criação de um Conselho Superior das Universidades [nota actual: a designação é diferente da que agora proponho, mas é coisa secundária], constituído por três partes: representantes das universidades, representantes das associações profissionais e dos interesses autárquicos, económicos e sociais e representantes do Estado, por exemplo metade nomeados pelo Governo e metade pela Assembleia da República (mas evitando-se a prática de outros casos em que o Estado designa sistematicamente universitários como seus representantes, o que duplica o peso da universidade). No quadro das funções gerais de regulação do sistema universitário, este conselhLinko devia ter a responsabilidade pela aprovação (acreditação) de cursos, quer a priori, quando a universidade faz a proposta de criação, quer a posteriori, confirmando ou não a acreditação, periodicamente, em função da avaliação.”
Voltei a escrever, ainda em 2001. Outros artigos mais, até ao último, de 2005:
“É um mecanismo cada vez mais usado na nova administração pública. Reúne o melhor: a isenção em relação aos interesses políticos, económicos e corporativos, a competência, a defesa dos consumidores. Já o temos em vários sectores. Na concorrência, na energia, nas telecomunicações, na saúde, nos seguros, na comunicação social e, desde há muitos anos, na banca, por intermédio do Banco de Portugal.
Não vou teorizar, que muito está escrito sobre isto (como exemplo, lembro os muitos escritos de Vital Moreira sobre este tema). Proponho um modelo:
1. A regulação da educação superior compete a uma agência independente que, seja qual for a sua designação, chamo aqui de Agência Reguladora da Educação Superior (ARES).
2. A ARES tem como missões essenciais: a) dar parecer ao governo sobre a criação, modificação, fusão ou extinção de instituições públicas de educação superior; b) acreditar institucionalmente (por níveis a definir, universidade, faculdade, departamento) para concessão de cada grau; c) acreditar todas as ofertas educativas, públicas ou privadas.
3. Um dos papéis chave da ARES será o de gerar e facultar ao público informação sobre o desempenho das instituições, nomeadamente das avaliações que levar a cabo, mas também acerca da empregabilidade e remunerações dos graduados de cada instituição. Outro papel será o de garantir que não existam práticas discriminatórias em áreas relativamente às quais se preconiza que as instituições tenham ampla margem de decisão como, por exemplo, no acesso.
4. Em princípio, a acreditação pela ARES faz efeitos para todas as competências do MCTES, que só em circunstâncias excepcionais e fundamentadas se pode sobrepor a ela para efeitos de financiamento.
5. Os membros da ARES são escolhidos em função estrita do mérito pessoal e nunca por representação institucional.
6. Tanto quanto possível, os membros da ARES devem cobrir as diferentes áreas de "stakeholding" da educação superior.
7. O CNAVES ou um futuro aparelho aperfeiçoado de avaliação, também com funções técnicas de acreditação, é o aparelho técnico da ARES.
8. Há alguns critérios bem estabelecidos para garantia da independência de uma agência reguladora: nomeação consensual do seu presidente; grande influência deste na nomeação dos restantes membros; dificuldade na demissão; mandato não sobreponível ao do órgão nomeante. Assim, sugiro:
a) o presidente da ARES deve ser designado por um das seguintes métodos:
i. pelo Presidente da República (não sei se é constitucionalmente possível);
ii. por maioria qualificada da Assembleia da República (como é o presidente do Conselho Nacional de Educação, com muito menor importância);
iii. pelo Presidente da República, sob proposta do Primeiro Ministro.
b) os restantes membros são nomeados pelo Primeiro Ministro e pelo MCTES, sob proposta do presidente da ARES.
c) o mandato dos membros da ARES é de cinco anos, renováveis.
d) a destituição de um membro da ARES só pode ocorrer em caso de crime ou de violação muito grave dos seus deveres.”

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