3 de outubro de 2006
Um ministério para dois ministros
Podia limitar-me a chamar a atenção para o artigo com este título de César de Sousa, hoje, no Diário Económico, mas creio que merece transcrição integral.
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) está, gradualmente, a transformar-se num mistério, com contornos sugestivos que têm elementos mais interessantes do que as emoções burocráticas que ainda o agitam e que devia ser apreciado de forma mais atenta.Subscrevo quase inteiramente. O quase deve-se a duas questões. Em primeiro lugar, nada sei sobre as motivações políticas de Pedro Lourtie, por quem tenho grande estima, e não me pronuncio. Em segundo lugar, o assunto da divisão do ministério no primeiro governo Guterres. Participei muito activamente nos Estados Gerais e confirmo que Guterres era favorável a esa divisão. Duvido é que a sua não concretização se tenha devido a Marçal Grilo. Ao que me consta, foi a relutância de Mariano Gago em defrontar um problema muito quente de então, o das propinas.
Antes da vitória do PS em 1995, o actual ministro, José Mariano Gago, era um activo protagonista nos debates de política educativa, situando-se à esquerda e tendo chegado a defender a frequência gratuita do ensino superior. Nessa altura, o Ministério da Educação esteve prestes a ser dividido em dois (ensino não superior e ensino superior e ciência, como já acontecera em 1979) mas o indigitado ministro da Educação, Marçal Grilo, recusou a partilha. O resultado foi um Ministério da Ciência débil, condenado a só ter protagonismo quando se combinavam as ideias e as verbas disponíveis, e um Ministério da Educação forte e mantendo a tutela do ensino superior.
Foi Durão Barroso que criou em 2002 dois ministérios: Educação, por um lado, e Ciência e Ensino Superior, por outro. A seguir, Pedro Santana Lopes e José Sócrates mantiveram a divisão. O resultado, evitável, foi um Ministério com a tutela, bem sucedida, da Ciência (que requer algumas verbas bem geridas e muita simpatia) e, mal sucedida, do Ensino Superior (onde o melhor é não fazer e acarinhar os reitores). Mariano Gago não se fez notar, mantendo-se à margem de todos os médios e grandes problemas do sector. E os grandes feitos desta sua governação foram um decreto-lei de 16 páginas e 85 artigos sobre o “processo de Bolonha” e a renovação entusiástica do regime de “numerus clausus”. E, vagamente, um função de pajem nos sobressaltos públicos do “plano tecnológico”.
O MCTS de Sócrates tinha, no entanto, um outro ministeriável: Pedro Lourtie. Colega de Mariano Gago no Instituto Superior Técnico e no PS, foi um activíssimo sindicalista do Sindicato do Ensino Superior (de que foi fundador), entrou na administração do Estado como director-geral do Ensino Superior em 1997 e ainda chegou a secretário de Estado do Ensino Superior com António Guterres.
No início deste governo, o antigo sindicalista só podia alimentar reduzidas esperanças de chegar ao MCTS. A sua ligação familiar a Ana Maria Bettencourt (conselheira de Jorge Sampaio em matéria de política educativa e, em 1993, porta-voz do PS para a educação antes de ser substituída por Guilherme d’Oliveira Martins, o agora presidente do Tribunal de Contas) e o seu passado sindical não o favoreciam.
No entanto, a maioria absoluta parece ter uma vertente divina e dá origem a verdadeiros milagres. E, assim, temos Mariano Gago distante da presidência do Conselho de Ministros, o que por acaso coincide com o afastamento entre o primeiro-ministro e o “plano tecnológico” que anda desaparecido em combate, e Pedro Lourtie mais activo e interventivo, marcando o terreno (não a “agenda” do sector porque ela já anda perdida há muito tempo), ocupando-se mais da falta de iniciativa do actual ministro da Ciência e do Ensino Superior do que de alguns problemas que nunca foram resolvidos - por exemplo: o dos empréstimos a estudantes, para acabarem o curso, “dossier” entregue a Pedro Lourtie em 1998.
Vejamos um exemplo recente. No passado dia 12 de Setembro, o “Diário Económico” publicou um texto de Pedro Lourtie sobre a criação da Universidade de Cabo Verde (Uni-CV), projecto luso-caboverdiano lançado em Outubro de 2003 onde o antigo secretário de Estado do Ensino Superior escrevia: “Reconheço que o meu envolvimento é mais do que estritamente profissional e, com ou sem projecto, já manifestei a minha disponibilidade para continuar a dar o meu contributo para que a Uni-CV seja o sucesso desejado”.
Nesse texto, Pedro Lourtie recordava que ia ser entregue o Plano Operacional da Uni-CV a Mariano Gago e escrevia: “… por decisão do ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, o projecto que em Portugal tem suportado a execução do Plano Operacional será dado por terminado. Apesar das tarefas previstas não estarem concluídas”. E terminava: “É possível que a inserção do projecto no MCTES não seja a melhor e que este devesse ser desenvolvido no âmbito do Ministério dos Negócios Estrangeiros”.
O texto suscita três interrogações pertinentes: o MCTES não vê nada para lá das fronteiras senão o “processo de Bolonha”? E, ao contrário de outros ministérios, não tem capacidade para assegurar a sua quota-parte da cooperação internacional do Estado português? E como faria Pedro Lourtie se fosse ele o ministro?
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