11 de abril de 2007
Lei da avaliação
O governo aprovou uma proposta de Lei da avaliação da qualidade do ensino superior. Antes, José Ferreira Gomes, Sérgio Machado dos Santos e eu publicámos neste sítio um artigo, "Lei da garantia da qualidade da educação superior - Bases para o seu desenvolvimento". Repare-se na terminologia: "avaliação da qualidade" é expressão nunca ou raramente usada, em vez da nossa, consensual, "garantia da qualidade", que envolve as diversas avaliações e muito mais. Pode parecer picuinha, mas revela alguma coisa da filosofia da garantia da qualidade. Talvez também da superficialidade com que se tratam coisas importantes.
Reconheço que, ao contrário do que vai certamente acontecer com futuras leis, como a da autonomia ou da carreira, não há discordâncias radicais entre a proposta de lei e a nossa proposta de bases, embora me pareça que a nossa proposta é mais abrangente. A convergência é natural, porque a garantia de qualidade é área em que muito se tem trabalhado desde ainda antes de Bolonha, com uma experiência europeia sólida, hoje corporizada na ENQA.
No entanto, sem querer fzer disto coisa essencial, anoto duas omissões em relação ao que incluimos na nossa proposta: o interesse potencial do sistema para o mundo lusófono e o objectivo importante do sistema relativo à definição de "benchmarks" e de quadros de referência de qualificações.
Há é um aspecto essencial em que – creio que posso falar pelos meus dois amigos e co-autores – estamos em franco desacordo, a questão dos "rankings". Diz a proposta de lei do governo (artº 15º) que "os resultados da avaliação externa devem (...) expressar-se através de uma classificação qualitativa atribuída, quer a cada um dos parâmetros considerados na avaliação, quer em relação à avaliação global, numa escala que permita ordenar e comparar o objecto da avaliação [itálicos meus, JVC]. E volta o artº 22º: "A avaliação externa pode conduzir à comparação entre estabelecimentos de ensino superior, unidades orgânicas, ciclos de estudos, graus e diplomas e à sua hierarquização relativa («rankings») em função de parâmetros a fixar pela Agência". Neste, ao menos, há a frontalidade de usar o termo "ranking", para não haver engano.
Sobre isto, escrevemos exactamente o oposto: "O sistema de garantia da qualidade tem objectivos diversificados, que devem ser considerados articuladamente e como mutuamente potencializadores, nomeadamente (...) a informação pública, essencial para uma escolha informada da IES e do curso a que os estudantes pretendem concorrer, com inclusão obrigatória de uma escala classificativa ("rating"), referida a parâmetros múltiplos mas não traduzida em qualquer ordenamento único e global ("ranking").
Os "rankings" são coisa inútil, perigosa e estúpida.
São coisa inútil porque só servem para muitos homenzinhos pequeninos (as senhoras só critico com uma rosa na mão) terem sonhos masturbatórios, mesmo que venham em 547º lugar mundial, mas à frente do colega de outra universidade portuguesa que vem em 549º. Coisa inútil, porque nunca me apercebi de que alguém precisasse de rankings para saber que as universidades da Ivy League vêm sempre no top-10, bem como Cambridge e Oxford.
Nada de mal se isto fosse apenas um jogo de vaidades. No entanto, tem perigos. Os "rankings" são calculados com base em "indicadores" quantitativos, aliás variáveis. O perigo é o de as universidades, em vez de se preocuparem com os aspectos essenciais, qualitativos, da sua política de qualidade, dirigirem os seus esforços ara a melhor pontuação nos critérios artificialmente definidores do "ranking".
Finalmente, os "rankings" são estúpidos. Não se trata de um campeonato de futebol, centrado a quase 100% nos golos marcados. A qualidade de uma instituição avalia-se por múltiplos factores, muitos dos quais não facilmente quantificáveis e muitas vezes impossíveis de serem reflectidos numa classificação global. Não há nenhuma universidade portuguesa que não tenha, ao mesmo tempo, cursos muito bons e cursos mais medianos; unidades de investigação excelente ao lado de suficientes, departamentos com elevada percentagem de qualificação de pessoal, outros com menos doutorados. Isto parece-me tão óbvio que me dispenso de maior discussão. Vou só referir um aspecto fundamental, que tem a ver com o papel da avaliação na defesa do "consumidor": o que é que me interessa que a universidade a que vou concorrer venha em 9º lugar no "ranking" se o seu curso que me interessa é destacadamente o 1º em classificação entre todas as universidades?
Finalmente, anoto enfaticamente que a palavra "ranking" não aparece uma única vez no relatório da ENQA sobre Portugal. E apenas uma vez no documento essencial da ENQA (Bergen, 2005), "Standards and Guidelines for Quality Assurance in the European Higher Education Area", mas exactamente ao contrário do que pretende o MCTES e de acordo com o que nós defendemos: "The register must make evident the level of compliance of entrants with the European standards for external quality assurance agencies. However, it is important to stress that this report does not aim at proposing the register as a ranking instrument."
Nota 1 – Como já vem sendo hábito, os preâmbulos dos diplomas deste MCTES rivalizam em extensão com o articulado. Demasiadamente palavroso, a raiar o acacianismo. Não deixem de ler o preâmbulo, é um mimo de ordenamento mental.
Nota 2 – Ainda tive esperança numa mudança de designação da agência. É coisa pequenina, de bom gosto, a nível de se gostar ou não de usar gravatas com o rato Mickey. No tal artigo, propusemos Agência da Qualidade da Educação Superior (com uma boa sigla, AQES). Mas a proposta de lei do governo confirma que vamos mesmo ter a AAAGQES.
Reconheço que, ao contrário do que vai certamente acontecer com futuras leis, como a da autonomia ou da carreira, não há discordâncias radicais entre a proposta de lei e a nossa proposta de bases, embora me pareça que a nossa proposta é mais abrangente. A convergência é natural, porque a garantia de qualidade é área em que muito se tem trabalhado desde ainda antes de Bolonha, com uma experiência europeia sólida, hoje corporizada na ENQA.
No entanto, sem querer fzer disto coisa essencial, anoto duas omissões em relação ao que incluimos na nossa proposta: o interesse potencial do sistema para o mundo lusófono e o objectivo importante do sistema relativo à definição de "benchmarks" e de quadros de referência de qualificações.
Há é um aspecto essencial em que – creio que posso falar pelos meus dois amigos e co-autores – estamos em franco desacordo, a questão dos "rankings". Diz a proposta de lei do governo (artº 15º) que "os resultados da avaliação externa devem (...) expressar-se através de uma classificação qualitativa atribuída, quer a cada um dos parâmetros considerados na avaliação, quer em relação à avaliação global, numa escala que permita ordenar e comparar o objecto da avaliação [itálicos meus, JVC]. E volta o artº 22º: "A avaliação externa pode conduzir à comparação entre estabelecimentos de ensino superior, unidades orgânicas, ciclos de estudos, graus e diplomas e à sua hierarquização relativa («rankings») em função de parâmetros a fixar pela Agência". Neste, ao menos, há a frontalidade de usar o termo "ranking", para não haver engano.
Sobre isto, escrevemos exactamente o oposto: "O sistema de garantia da qualidade tem objectivos diversificados, que devem ser considerados articuladamente e como mutuamente potencializadores, nomeadamente (...) a informação pública, essencial para uma escolha informada da IES e do curso a que os estudantes pretendem concorrer, com inclusão obrigatória de uma escala classificativa ("rating"), referida a parâmetros múltiplos mas não traduzida em qualquer ordenamento único e global ("ranking").
Os "rankings" são coisa inútil, perigosa e estúpida.
São coisa inútil porque só servem para muitos homenzinhos pequeninos (as senhoras só critico com uma rosa na mão) terem sonhos masturbatórios, mesmo que venham em 547º lugar mundial, mas à frente do colega de outra universidade portuguesa que vem em 549º. Coisa inútil, porque nunca me apercebi de que alguém precisasse de rankings para saber que as universidades da Ivy League vêm sempre no top-10, bem como Cambridge e Oxford.
Nada de mal se isto fosse apenas um jogo de vaidades. No entanto, tem perigos. Os "rankings" são calculados com base em "indicadores" quantitativos, aliás variáveis. O perigo é o de as universidades, em vez de se preocuparem com os aspectos essenciais, qualitativos, da sua política de qualidade, dirigirem os seus esforços ara a melhor pontuação nos critérios artificialmente definidores do "ranking".
Finalmente, os "rankings" são estúpidos. Não se trata de um campeonato de futebol, centrado a quase 100% nos golos marcados. A qualidade de uma instituição avalia-se por múltiplos factores, muitos dos quais não facilmente quantificáveis e muitas vezes impossíveis de serem reflectidos numa classificação global. Não há nenhuma universidade portuguesa que não tenha, ao mesmo tempo, cursos muito bons e cursos mais medianos; unidades de investigação excelente ao lado de suficientes, departamentos com elevada percentagem de qualificação de pessoal, outros com menos doutorados. Isto parece-me tão óbvio que me dispenso de maior discussão. Vou só referir um aspecto fundamental, que tem a ver com o papel da avaliação na defesa do "consumidor": o que é que me interessa que a universidade a que vou concorrer venha em 9º lugar no "ranking" se o seu curso que me interessa é destacadamente o 1º em classificação entre todas as universidades?
Finalmente, anoto enfaticamente que a palavra "ranking" não aparece uma única vez no relatório da ENQA sobre Portugal. E apenas uma vez no documento essencial da ENQA (Bergen, 2005), "Standards and Guidelines for Quality Assurance in the European Higher Education Area", mas exactamente ao contrário do que pretende o MCTES e de acordo com o que nós defendemos: "The register must make evident the level of compliance of entrants with the European standards for external quality assurance agencies. However, it is important to stress that this report does not aim at proposing the register as a ranking instrument."
Nota 1 – Como já vem sendo hábito, os preâmbulos dos diplomas deste MCTES rivalizam em extensão com o articulado. Demasiadamente palavroso, a raiar o acacianismo. Não deixem de ler o preâmbulo, é um mimo de ordenamento mental.
Nota 2 – Ainda tive esperança numa mudança de designação da agência. É coisa pequenina, de bom gosto, a nível de se gostar ou não de usar gravatas com o rato Mickey. No tal artigo, propusemos Agência da Qualidade da Educação Superior (com uma boa sigla, AQES). Mas a proposta de lei do governo confirma que vamos mesmo ter a AAAGQES.
Comentários:
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Caro JVC,
Atrevi-me, uma vez mais, a fazer no meu blogue uma chamada de atenção para o seu texto. Adicionalmente, acrescento um comentário, apelando à minha vivência pessoal.
O meu contributo sublinha sintonia de pontos de vista, se bem que nem todos o vão tomar como tal.
Cumprimentos,
Atrevi-me, uma vez mais, a fazer no meu blogue uma chamada de atenção para o seu texto. Adicionalmente, acrescento um comentário, apelando à minha vivência pessoal.
O meu contributo sublinha sintonia de pontos de vista, se bem que nem todos o vão tomar como tal.
Cumprimentos,
Lá se vai a diversidade em nome de uma uniformização absurda, forçada por critérios quantitativos que nada têm a ver com a missão da Universidade.
Aliás, neste contexto, falar em missão da Universidade passa a ser uma não questão.
Aliás, neste contexto, falar em missão da Universidade passa a ser uma não questão.
Um outro problema dos rankings é o facto de serem "apetitosos" para a comunicação social, que os tende a reduzir a top-10s sem qualquer esforço de enquadramento ou reflexão crítica. Veja-se por exemplo o caso dos rankings do ensino secundário. São dados "prontos a consumir".
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