9 de março de 2007
Sobre concursos, currículos e critérios
António Fidalgo, Universidade da Beira Interior
A carreira de um professor universitário é feita de exames, avaliações e concursos. Umas vezes no papel de avaliado e mais vezes no papel de avaliador. Glosando uma canção de Jacques Brel, pode dizer-se que ser avaliado cela n’est rien, que ser avaliado é une belle affaire, mas avaliar ... oh avaliar.
Como se faz uma boa avaliação? Que critérios seguir? À medida que o número de candidatos aumenta para os lugares postos a concurso, sobretudo no que toca ao quadro de professores, associados e catedráticos, como avaliar cada um dos currículos dos concorrentes e comparar currículos diversos? Há quem se refugie na isenção dos números, em grelhas de classificação pré-definidas, para aliviar a carga de fazer uma avaliação própria e para alijar a responsabilidade da selecção.
Hoje há a tendência não só para quantificar elementos de currículo – quantas publicações, quantas orientações de tese – como também para criar normas nesse sentido. Trata-se de dar um cariz administrativo à avaliação. Contam-se os livros publicados, os artigos científicos em revistas nacionais e estrangeiras, o número de citações nos índices internacionais, o número de patentes registadas e de projectos de investigação aprovados, atribui-se um índice a cada um destes elementos e da soma resultará um número que dará, pretensamente, um critério objectivo para avaliar e seleccionar os candidatos ao concurso. Este tipo de avaliação administrativa é defendido em nome da isenção, da transparência e também, o que é hoje muito importante, da sua blindagem face às impugnações judiciais dos concursos.
Neste tipo de concursos os membros do júri limitam-se a aplicar a grelha de avaliação. Mas isso verdadeiramente poderia ser feito por pessoal administrativo; um técnico faria eventualmente melhor o trabalho. O ideal deste tipo de avaliação seria até mesmo um algoritmo de um programa informático que analisaria todos os dados curriculares dos candidatos e os quantificaria, dispensando por completo a intervenção de um júri ou de uma pessoa.
Mas se a avaliação é feita por pares e não por técnicos, então isso significa que deve ser qualitativa, mediante uma análise do valor dos diferentes elementos curriculares. As publicações não podem ser apenas avaliadas pela editora, revista ou língua em que foram publicadas ou pelas citações registadas, mas sobretudo pelo seu valor intrínseco e isso só pode ser feito por quem é da mesma área e sabe do ofício. Não é indiferente a constituição de um júri. Normalmente procuram-se professores conceituados para se pronunciar sobre a valia dos candidatos; mais tarde os candidatos seleccionados mencionam nominalmente o júri que os avaliou. A credibilidade dos nomes do júri constitui a idoneidade do júri e os atributos de credibilidade e idoneidade transmitem-se ao acto da selecção e aos seleccionados.
Nem tudo o que reluz num currículo é oiro e é isso que João Lobo Antunes no ensaio “O currículo escondido” do livro Memória de Nova Iorque e Outros Ensaios procura mostrar. A distinção entre “currículo formal” e “currículo escondido”, onde o primeiro é aquele para o qual se trabalha – e que alimentaria o dito programa informático de avaliação! --, e o segundo aquele para o qual não se trabalha, mas que traduz o sentido de uma profissão, obriga a um trabalho de análise por parte de quem avalia, inacessível à quantificação de um técnico ou de um programa. Um professor excelente, um verdadeiro pedagogo dos seus alunos, pode ter um currículo pobre, e um professor sofrível ter um excelente currículo formal. Quem trabalha apenas para o currículo e para a carreira terá certamente um currículo formal formidável, mas isso não é o mesmo que sobressair pela paixão de ensinar e de investigar.
Um professor que integre um júri de qualquer concurso tem a obrigação de acima de qualquer grelha pré-definida de avaliação se orientar pelo ethos (entendido no sentido de um código deontológico) de professor, pelo qual deverá orientar a sua própria acção profissional. Não serão normas indicativas a comandar a avaliação mas o ideal ou o modelo de professor. Esse modelo é o grande critério.
Não, isto não significa introduzir elementos de arbitrariedade ou de subjectivismo na avaliação. O currículo formal não se elimina de modo algum, antes se lhe dá o devido valor ao enquadrá-lo no currículo escondido.
A carreira de um professor universitário é feita de exames, avaliações e concursos. Umas vezes no papel de avaliado e mais vezes no papel de avaliador. Glosando uma canção de Jacques Brel, pode dizer-se que ser avaliado cela n’est rien, que ser avaliado é une belle affaire, mas avaliar ... oh avaliar.
Como se faz uma boa avaliação? Que critérios seguir? À medida que o número de candidatos aumenta para os lugares postos a concurso, sobretudo no que toca ao quadro de professores, associados e catedráticos, como avaliar cada um dos currículos dos concorrentes e comparar currículos diversos? Há quem se refugie na isenção dos números, em grelhas de classificação pré-definidas, para aliviar a carga de fazer uma avaliação própria e para alijar a responsabilidade da selecção.
Hoje há a tendência não só para quantificar elementos de currículo – quantas publicações, quantas orientações de tese – como também para criar normas nesse sentido. Trata-se de dar um cariz administrativo à avaliação. Contam-se os livros publicados, os artigos científicos em revistas nacionais e estrangeiras, o número de citações nos índices internacionais, o número de patentes registadas e de projectos de investigação aprovados, atribui-se um índice a cada um destes elementos e da soma resultará um número que dará, pretensamente, um critério objectivo para avaliar e seleccionar os candidatos ao concurso. Este tipo de avaliação administrativa é defendido em nome da isenção, da transparência e também, o que é hoje muito importante, da sua blindagem face às impugnações judiciais dos concursos.
Neste tipo de concursos os membros do júri limitam-se a aplicar a grelha de avaliação. Mas isso verdadeiramente poderia ser feito por pessoal administrativo; um técnico faria eventualmente melhor o trabalho. O ideal deste tipo de avaliação seria até mesmo um algoritmo de um programa informático que analisaria todos os dados curriculares dos candidatos e os quantificaria, dispensando por completo a intervenção de um júri ou de uma pessoa.
Mas se a avaliação é feita por pares e não por técnicos, então isso significa que deve ser qualitativa, mediante uma análise do valor dos diferentes elementos curriculares. As publicações não podem ser apenas avaliadas pela editora, revista ou língua em que foram publicadas ou pelas citações registadas, mas sobretudo pelo seu valor intrínseco e isso só pode ser feito por quem é da mesma área e sabe do ofício. Não é indiferente a constituição de um júri. Normalmente procuram-se professores conceituados para se pronunciar sobre a valia dos candidatos; mais tarde os candidatos seleccionados mencionam nominalmente o júri que os avaliou. A credibilidade dos nomes do júri constitui a idoneidade do júri e os atributos de credibilidade e idoneidade transmitem-se ao acto da selecção e aos seleccionados.
Nem tudo o que reluz num currículo é oiro e é isso que João Lobo Antunes no ensaio “O currículo escondido” do livro Memória de Nova Iorque e Outros Ensaios procura mostrar. A distinção entre “currículo formal” e “currículo escondido”, onde o primeiro é aquele para o qual se trabalha – e que alimentaria o dito programa informático de avaliação! --, e o segundo aquele para o qual não se trabalha, mas que traduz o sentido de uma profissão, obriga a um trabalho de análise por parte de quem avalia, inacessível à quantificação de um técnico ou de um programa. Um professor excelente, um verdadeiro pedagogo dos seus alunos, pode ter um currículo pobre, e um professor sofrível ter um excelente currículo formal. Quem trabalha apenas para o currículo e para a carreira terá certamente um currículo formal formidável, mas isso não é o mesmo que sobressair pela paixão de ensinar e de investigar.
Um professor que integre um júri de qualquer concurso tem a obrigação de acima de qualquer grelha pré-definida de avaliação se orientar pelo ethos (entendido no sentido de um código deontológico) de professor, pelo qual deverá orientar a sua própria acção profissional. Não serão normas indicativas a comandar a avaliação mas o ideal ou o modelo de professor. Esse modelo é o grande critério.
Não, isto não significa introduzir elementos de arbitrariedade ou de subjectivismo na avaliação. O currículo formal não se elimina de modo algum, antes se lhe dá o devido valor ao enquadrá-lo no currículo escondido.
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