16 de março de 2007

 

O decreto da avaliação (VI)

Os objectivos e o âmbito

Como me parece ser elementar, comecei a analisar o projecto à luz de uma pergunta. Antes do mais, o que é que se pretende, para depois eu poder ver se a solução proposta é adequada. Não foi trabalho fácil. O projecto está cheio de declarações virtuosas e piedosas, que tanto servem para uma coisa como para o seu oposto. Demonstrarei isto, no concreto, nos próximos apontamentos (aviso que vêm aí em bom número).

Pode-se dizer que é exagerado pretender-se que este decreto, que tem por objecto meramente a criação da AAAGQES, defina todo o sistema da avaliação, os seus princípios e objectivos. É uma meia verdade. Não sou capaz de ajuizar da agência e do seu formato sem saber em que politica ela se enquadra e que objectivos vai servir. Deviam ser objectos de lei própria, a alterar a actual lei da avaliação (38/94)? Muito bem, mas então comece-se por aí, e urgentemente, que já se perdeu muito tempo com inutilidades diletantes.

Por outro lado, o projecto de decreto-lei não se assume como simples decreto de criação da agência. O preâmbulo, sempre importante para a compreensão de um diploma legal, (e longo e fastidioso preâmbulo, como vem sendo hábito do MCTES) está cheio de considerações gerais, todas remetendo para o grande objectivo, que fica por se entender, da "estruturação de um sistema de garantia de qualidade reconhecido internacionalmente". Até agora, um sistema só com um órgão. Como médico, espero mais.

Aparentemente, toda a gente está de acordo, a avaliação serve como garantia da qualidade. Dito assim, é primário, porque há muitas formas de ver o que é a qualidade e o que são os mecanismos da sua garantia. Lembro o que escrevi no meu livro de 2001, cada vez mais velho e também actual:
"Onde há alguma disparidade é nos objectivos da avaliação que, no nosso caso, são estipulados como sendo: “estimular a melhoria da qualidade das actividades desenvolvidas; informar e esclarecer a comunidade educativa e a comunidade portuguesa em geral; assegurar um conhecimento mais rigoroso e um diálogo mais transparente entre as instituições de ensino superior; e contribuir para o ordenamento da rede de instituições de ensino superior”. Destes objectivos, ressalta evidentemente o do estímulo da qualidade, que é comum a todos os sistemas europeus de avaliação. Neste sentido, o critério da avaliação, em toda a parte, incide fortemente no cumprimento dos objectivos institucionais (“fitness for purpose”) ou no cumprimento de padrões de qualidade ou de códigos de boas práticas. Mas falta-nos outro objectivo, constante das políticas de avaliação de muitos países. É o da “accountability” ou responsabilidade, isto é, o de se avaliar a que ponto e com que eficácia as universidades utilizam os seus recursos humanos e financeiros e como justificam perante a sociedade o uso destes recursos. Penso que este objectivo, que complementa o da qualidade e lhe está muito associado e que interessa ao público, devia também ser inserido nos objectivos da avaliação em Portugal."
Não descobri a pólvora, limitei-me a extrair a minha conclusão de um debate internacional que estava então a emergir, depois da aceitação geral do "modelo holandês". Não creio que tivesse feito mal, porque o "Standards e guidelines", em 2005, vem escrever praticamente o mesmo (pág. 11, numa passagem que, ilustrativamente começa por "quality assurance is a generic term in higher education which tends itself to many interpretations". Qual é a do MCTES? É urgente saber.

O problema é que alguns destes objectivos podem não ser facilmente conciliáveis. Por exemplo, a avaliação das boas práticas é muito referida a um padrão geral de qualidade, mas já a de "fitness for purpose" implica uma diversidade de missões institucionais que não temos.

Nos últimos anos, tem vindo a tomar relevo outra perspectiva, a da defesa do consumidor. Evidentemente, entenda-se isto como uma metáfora, porque o estudante da educação superior não é um mero consumidor. No entanto, isto tem um risco, o de se tender para a avaliação ser apenas um passo da acreditação. Se for ao supermercado e vir maçãs com selo de acreditação de qualidade, a única coisa que fico a saber é que obedecem a padrões mínimos. Mas entre a maçã A e a B, lado a lado, ambas com o selo, qual é a melhor? Numa analogia que toda a gente compreende, qualquer estudante que conclua o seu curso com nota positiva, seja de 10 ou de 20, fica igualmente "acreditado", passou o mínimo. Mas um empresário empregará igualmente qualquer acreditado, com 10 ou com 20? Esta é que é a diferença entre avaliação e acreditação.

Com isto, chego a um aspecto critico: parece-me que este "sistema" projectado é muito mais de acreditação do que de avaliação. Fica esta discussão para o próximo apontamento.

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