23 de fevereiro de 2007

 

Choque tecnológico

Ou oito ou oitenta: competitividade por salários baixos, para chinês ouvir (eles que têm salários altíssimos...), ou então discurso grandiloquente do choque tecnológico. No meio de todo este ruído politico, ainda me dá grande prazer ler opiniões racionais, objectivas, sensatas. Um exemplo foi o que disse Campos e Cunha ao Público (4.2.2007):
"Não bate a bota com a perdigota, andarmos a falar de salários baixos eao mesmo tempo de choque tecnológico".
(...) "Se calhar o mal não está naquela frase, está em ter-se andado a propagandear o choque tecnológico. A evolução tecnológica dos países é por definição lenta, logo é o contrário de um choque. Do meu ponto de vista há nesta ideia uma contradição nos seus próprios termos."
Localizando esta ideia na educação superior, centro por excelência da alimentação directa e indirecta (formação de quadros) da tecnologia, há como que um teorema. "Quando a economia tem uma solicitação a prazo de x anos, a educação superior responde a prazo de x+n anos". Qual é o valor de n?

Quando se fala em milagres de choque tecnológico, vêm logo os exemplos da Irlanda e da Finlândia. Vejamos alguns dados (Eurostat, 2006) que julgo serem relevantes.


PortugalIrlandaFinlândiaUE (27)
ID % PIB0,811,253,481,84
Empresas % despesa ID31,758,769,354,5
Formados em C&T % empregos23,444,653,541,9


Comecemos pela Irlanda. Repare-se que não se afasta flagrantemente da média da UE. Completamente diferente é o caso da Finlândia. A meu ver, há uma diferença importante. A Irlanda teve um choque tecnológico, a Finlândia um choque educativo (repare-se na terceira linha) em boa harmonia com o investimento tecnológico.

Simplesmente, o choque tecnológico irlandês é caso único. Conheço melhor um sector de grande sucesso, o da biotecnologia. O progresso dependeu essencialmente da instalação de sucursais de grandes multinacionais, mas por factores que nos são alheios: uma hora de distância em ferry de Liverpool, domínio generalizado da língua inglesa, grandes relações entre as empresas de ambos os países, uma importante e economicamente importante comunidade de origem irlandesa nos EUA. Só a seguir é que vieram as correspondentes mudanças no sistema de educação superior, que garantiram a sustentabilidade do choque.

O caso finlandês também não pode ser bem entendido sem a enorme importância de coisa muito "simples", Nokia. Mas, muito mais importante, e para concluir, o choque educativo.

Comentários:
Pois é! Por cá, o choque converteu-se na dedicação total das IES a um único projecto: como fazer omoletes sem ovos. Fico sem saber porque se avançou com Bolonha nesta altura. Por que, nestas condições, só se for para fazer mais do mesmo. Com a desvantagem de alienar, provavelmente de vez, muitos dos indecisos relativamente ao processo.
Adicionalmente, o célebre dinheiro da ciência, anunciado num também célebre Prós&Contras, levou sumiço até ao momento. Ouço falar de dívidas com três anos. Começo a pensar que, em Bruxelas, desconfiam sempre do que este MCTES faz ao dinheiro e, na dúvida, fica por lá.
Desculpe o desabafo, JVC, mas, às vezes, apetece mesmo usar uma linguagem mais colorida relativamente aos "colonialistas" de Lisboa.
 

 

MJM, há um aspecto mais preocupante e premente relacionado como o que disseste. Há reitores a sacarem dinheiro consignado, de projectos, para acudir ao défice orçamental. Muitos desses projectos devem ser da UE. Até penso que isto poderá colocar Portugal no Tribunal Europeu.
 

 

Se for dinheiro de "overheads" que antes não era afectado às instituições por qualquer razão, isso é legítimo. Agora, não escapa nada. Mas não é disso que está a falar, pois não?
 

 

O JV Costa tem toda a razão em salientar o choque educativo da Finlândia. É disso que se trata!

Falta dizer que esse "choque" foi objecto de um pacto alargado, que mobilizou efectivamente a sociedade e transcendeu governos e partidos, e que começou pelo essencial: os professores.

De facto, para ser professor na Finlândia é necessário, desde há muito tempo, ter o grau de mestre (pré-bolonha, portanto 6-7 anos de estudos superiores). A preparação científica e pedagógica demora tempo.

Por outro lado, em Portugal a formação de professores teve de tudo, como sabemos, e só agora (2007, embora com efeitos práticos só lá para 2012) o Ministério da Educação decidiu pôr alguma ordem (pelo menos legislativa) no problema.

Estamos, portanto, com um atraso de 35 anos e reféns (no mínimo durante mais uma geração) de uma multidão de professores que nunca deveriam ter ganho vínculo em tal profissão, por manifesta incompetência.

Pode aceitar-se que qualquer professor é melhor que nenhum, numa fase de escassez de mão-de-obra, mas não eternamente.

Constato, com tristeza, cada vez mais alunos que saem das universidades com potencial e vocação para serem bons profissionais e que não conseguirão colocação no ensino durante muitos anos apenas porque os lugares estão ocupados (bem ou mal).
 

 

 

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