4 de janeiro de 2007

 

O relatório da OCDE (VII)

A autonomia e a natureza institucional (ou as fundações e o emprego privado)

Entre o capítulo 2 e o 3, há que comentar a questão da autonomia e da natureza institucional. Afirma o relatório que o grau de autonomia é muito reduzido, por o regime legal ser altamente uniformizador. Quem é que ainda não disse isto? O relatório defende um grau muito maior de verdadeira autonomia, mas no sentido de ela ser um meio de afirmação da identidade competitiva de cada instituição, num quadro de competição não só pelos melhores professores e estudantes e por financiamentos externos mas também em relação ao próprio Estado, por via dos contratos programáticos, a que me referi no último apontamento. Muito bem, parece-me merecer apoio de muitos e muitos que têm defendido isto, mas o recente discurso do primeiro ministro passa isto por alto.

Em relação à autonomia, foi manchete em todos os jornais. "OCDE propõe que as universidades passem a ser fundações". Não é verdade e é bom exemplo da nossa actual cultura de "sound bites". O relatório é sensatamente transparente, enfatizando o objectivo da autonomia mas não concretizando nenhuma proposta jurídica para a qual os peritos não tinham preparação:
" 2.47 The panel heard a number of submissions that stressed the importance of finding a new legal status for universities and polytechnics which could (progressively) provide them with more autonomy, opportunities for institutional development and human resource flexibility. Different alternatives such as a Foundation or a new type of public entity were suggested. This is a complex and technical Portuguese juridical question that is beyond the competence of the review panel. Nevertheless, the panel is convinced that resolving this question is of paramount importance so that Portugal's public higher education institutions can be granted a significant increase in institutional autonomy. This is an essential prerequisite for achieving a diverse and responsive system, and for creating the conditions in which a system of negotiated institutional contracts can be introduced. (…)"
Para além dos organismos vulgares da administração, dispomos hoje, com alguma simplificação, de outras figuras para entidades dependentes do financiamento e do controlo do Estado, em grau variável: institutos públicos, entidades públicas empresariais, fundações, empresas públicas. Note-se que os nomes podem ser ilusórios; por exemplo, a FCT não é nenhuma fundação, é um simples IP. Fica ainda o vasto campo da administração autónoma, como a regional ou a autárquica, a que é regida por leis próprias, não subordinadas a um enquadramento genérico.

Pessoalmente, como leigo jurídico, considero que a administração autónoma é a melhor hipótese para as IES. A sua natureza é estabelecida em lei reforçada, que pode ir buscar, à medida, o que de melhor e mais adequado podem ter os estatutos genéricos de outro tipo de instituições, por exemplo a grande autonomia estatutária das fundações e a grande autonomia financeira e a flexibilidade de gestão das entidades públicas empresariais.

A única vantagem que vejo num estatuto de Fundação, à Serralves ou Centro Cultural de Belém, é a de possibilitarem o aliciante, para os mecenas, de um papel estatutário. No entanto, é disto que discordo, que a governação das IES fique dependente de participações externas institucionais. Defendo vigorosamente a participação externa, mas sempre a nível da qualificação individual, nunca por representação de interesses.

A consequência prática essencial desta questão é a do estatuto do pessoal. Se dependentes de uma fundação, não são funcionários públicos. Neste ponto, a opinião da OCDE, no sentido da privatização do vinculo laboral, é clara (3.12, 3.21).

Não me pronuncio, por incompetência jurídica, sobre a maior ou menor dificuldade de converter, a curto prazo, milhares de funcionários públicos em trabalhadores de entidades privadas. Falo é do que conheço, como ex-dirigente. Nunca dei porque o ECDU ficasse muito limitado por regras gerais da legislação do funcionalismo público, a não ser em coisas menores (regime de férias, faltas e dispensas, situações de doença, matérias disciplinares, etc.). O ECDU já consagra diferenças essenciais em relação à generalidade das carreiras, até em termos de regimes (tempo integral, parcial ou em dedicação exclusiva), diferenciações salariais e possíveis prémios de desempenho. Não é no plano jurídico que está o problema, é no facto de o ECDU ser hoje obsoleto e não contribuir em nada para a promoção do mérito e para o combate à endogamia. Parece é que o MCTES foge de um novo ECDU como o diabo da cruz.

Desejo fazer-me entender bem. Fiz toda a minha vida no regime geral de trabalho, o emprego privado. Por isto, nada tenho, em princípio, contra que ele seja alargado aos universitários, mas também não vejo nisto nada de fundamentalmente exigível. É questão de custos-benefícios, para cuja análise não tenho condições de experiência jurídica. Fundamental, para mim, e ao encontro do relatório da OCDE, é que, seja qual for o estatuto institucional, ele permita a cada IES uma política e gestão de pessoal perfeitamente adequada à sua política de promoção da qualidade.

Nota – Os apontamentos desta série estão a ultrapassar em dimensão o que é razoável num blogue. Penso que é desculpável. Ao passar a outros assuntos, retomarei o estilo habitual.

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