5 de janeiro de 2007

 

A entrevista do ministro

Há afirmações aparentemente sólidas que escondem aspectos duvidosos. É, por exemplo, o que diz Mariano Gago, na sua recente entrevista ao DN:
"P: As instituições vão ser obrigadas a acompanhar a inserção profissional dos seus licenciados. Será uma regra bem aceite?
R: Algumas universidades já estão a seguir e a divulgar de forma sistemática o percurso dos seus licenciados. Mas isso não chega. É preciso fazê-lo de forma organizada e com transparência. E há uma maneira indirecta de o ajudar a fazer: dando informação pública da totalidade dos dados que se encontram nos centros de emprego, relativamente a licenciados no desemprego, com informação sobre os cursos a que correspondem os perfis das pessoas desempregadas.
P: Identificando cursos e instituições com piores desempenhos?
R: Sim. (...) Dar informação sobre as áreas e cursos com maiores dificuldades de empregabilidade é útil para as instituições e para os estudantes."
Se eu discordar disto, os meus leitores habituais devem ficar com muito má impressão. No entanto, isto faz-me lembrar uma caixa chinesa. Em relação à caixa exterior, nada a dizer. É urgente um observatório da entrada na vida activa, é urgente saber-se o que são formações rejeitadas pelo mercado de trabalho, é importante saber-se como cada instituição consegue vencer relativamente estes condicionalismos do mercado de trabalho. Mas passemos à caixinha chinesa que está dentro.

Porque é que há desemprego de licenciados e o que é que isto significa? Nesta propsta do ministro como se vai distinguir o emprego directamente ligado ao curso e o correspondente valor de emprego variado facultado por condições de empregabilidade geral do curso? Tem sido muito pouco discutida entre nós a noção da flexibilidade da empregabilidade, que é coisa muito diferente da formação para o emprego. É provavelmente o ponto-chave do sucesso do sistema americano de educação superior, em relação ao mercado de trabalho. Não posso alargar-me, alerto para um artigo meu sobre este assunto. Se eu for a um supermercado e encontrar um peixe que só serve para fritar, não o compro, se naquele dia estiver com o gosto virado para peixe cozido. Mas compro um que diga no rótulo que serve para fritar e para cozer. Por outro lado, está verdadeiramente empregado, para os efeitos agora tidos em conta, om licenciado que trabalha como caixa de supermercado?

Outra questão: será que todo o desemprego de licenciados é negativo? Do ponto de vista da solidariedade social imediata, claro que sim, mas, infelizmente, a história tem outra racionalidade. Por mais que nos custe, é fundamental uma certa margem de desemprego, como antecipação ao futuro (a menos que a flexibilidade de que falei seja muito elevada). A cinética da economia é mais acelerada do que a da formação de quadros. Quando se impõe uma necessidade económica, ela não pode esperar pelos dez anos de preparação dos quadros, eles têm de estar logo disponíveis. Isto quer dizer que, entretanto, estiveram "desperdiçados", eventualmente no desemprego. Para quem quer ser pensador, colocam-se muitas vezes problemas destes, como conciliar generosidade com realismo quase cínico?

Dentro desta segunda caixa chinesa ainda há outra, a das instituições. Como é que cada uma entra nesta caixa da oferta-desemprego? O presidente do CRUP, congratulando-se com esta entrevista do ministro, disse que as instituições devem assumir essa transparência. Eu bem gostava de saber se o presidente do CRUP diria o mesmo, nessa qualidade, se, em vez de ser o reitor da UTL, fosse o reitor da Universidade do Algarve, como foi o seu antecessor. Afinal, ao contrário do que tenho escrito, a utilização do carimbo CRUP tem muito que se lhe diga.

Não posso aqui desenvolver muito esta questão, mas lembro que, no mercado português da educação superior, pesa enormemente o factor de proximidade geográfica. Propinas, diferenças de custos entre o ensino público e privado, prestígio institucional, têm menos peso do que é o custo de ter um filho em quarto alugado em cidade distante.

Portanto, as taxas de desemprego de uma determinada instituição têm muito pouco a ver com a qualidade dos seus cursos, mas sim com a realidade regional. Os seus licenciados desempregados não o são por terem sido formados por esa universidade ms por serem dessa região. Estou muito interessado em saber qual é a taxa de sucesso profissional de um determinado curso, por comparação entre as três universidades de Lisboa, mas pouco me diz essa comparação com a UTAD ou com a U. Évora.

E ainda vai mais uma caixinha chinesa: o que significam essas comparações? Que dados tem o mercado de trabalho para valorizar X em relação a Y, na mesma área geográfica e no mesmo curso? Economia da Nova ou do ISEG? Informática do IST ou da FCT/UNL? Direito da UL ou da UNL? Tenho receio de que muitos universitários percam energias em exercícios púberes de masturbação intelectual.

Atenção, no fim. É vulgar deixarmo-nos ir por exercícios de discussão que nos fazem esquecer o ponto de partida. Neste caso, era a necessidade de um observatório do emprego dos universitários. Estou de acordo. Será uma vez por outra, JMG.

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