27 de novembro de 2006
Balanço do MCTES
O MCTES deste governo já conta quase ano e meio de vida. É tempo de um balanço, que vou limitar à educação superior. Começou por o ministério ter mau nome de baptismo, MCTES em vez de MESC, mas isto é picuinha minha. Tem tido vida tranquila, resguardado dos barómetros da opinião pública e das pressões mediáticas acerca dos remodeláveis. Não é mérito seu. Infelizmente, os sondados nem se lembram da importância do ministério.
Como é costume neste pais de gosto legislativo, comecemos por aí. Mais visíveis, quatro diplomas. A revisão da lei de bases, afinal, foi simples microcirurgia, a preparar Bolonha, e já vinha de trás. Apreciável, mas com consequências perversas que se estão a manifestar (novo "terreno de caça"), o decreto de acesso aos maiores de 23 anos. Promissor, mas falhado na prática, o decreto sobre os cursos de especialização tecnológica, esvaziado de sentido prático por falta de vontade política, principalmente no que respeita ao financiamento. Finalmente, o DL 74/2006, da adequação a Bolonha, de que falarei adiante. No essencial, foi tudo, em ano e meio.
Durante todo este tempo, adormeceram os dois diplomas fundamentais, o da autonomia (e modelo de governação) e o das carreiras docentes. Não há organização que vingue sem boa governação e sem instrumentos de boa gestão e valorização dos recursos humanos. Se o ministro fosse empresário, saberia bem isto.
Para arrumar o tema, começo pelo ECDU (e pelo correspondente estatuto do Politécnico). Ao menos, faça-se justiça. Que me lembre, é o primeiro ministro da área que não anunciou logo a sua intenção de o rever. No entanto, isto não o desculpa da omissão. Raramente leio um artigo sério sobre qualquer aspecto estratégico da educação superior que não destaque a importância da carreira e da sua instrumentalidade como promoção do mérito. Não parece ser prioridade do MCTES e arrisca-se a ficar definitivamente adiado. Toda a gente sabe que medidas impopulares – e a revisão do ECDU é-o, necessariamente – só são possíveis na primeira parte do mandato. Depois vêm as cautelas com as eleições. Sócrates mostra que sabe muito bem isto, mas parece não ter transmitido a lição ao MCTES.
Já a questão da lei da autonomia é mais grave, como comportamento politico. Como se sabe, foi protelada para depois do célebre parecer encomendado à OCDE. É logro e falta de coragem política. Logro, porque toda a gente sabe que o relatório da OCDE não vai adiantar nada em relação a tudo o que muito boa gente tem escrito, ao próprio "background report" de autoria portuguesa e mesmo a milhentos documentos da OCDE. Falta de coragem política, porque o MCTES não se arrisca a uma posição própria (mais uma vez, gabe-se a determinação de Sócrates), refugiando-se na opinião estrangeira. Talvez seja um tique de quem muito andou por Bruxelas e esqueceu que não há por lá muito melhor do que pode encontrar cá.
O mesmo se passou com o adiamento de um aperfeiçoamento (emprego intencionalmente o termo, em vez de reforma) do nosso sistema de garantia de qualidade, passando a incluir funções de acreditação. A espera pelo estudo encomendado à ENQA paralisou uma experiência que teve limitações, que sempre me mereceram critica, mas também, no essencial, méritos, que mais não fosse a criação de uma cultura da avaliação.
Passemos a Bolonha e ao descalabro do que tem sido Bolonha à portuguesa. O decreto nem é mau, mas o processo tem sido desastroso. Começou logo pelo episódio pouco elegante da comissão Lourtie. Depois, o atabalhoamento da apresentação de propostas em quinze dias, o despacho a correr, burocrático, mas com adiamento (até quando?) da apreciação das propostas de mestrados dos institutos politécnicos. Nova fase do processo, terminada há dias, sem qualquer correcção dos erros. E são muitos, tanto quanto tenho visto, principalmente reflectindo uma coisa essencial: passámos a ter muitos cursos adequados ao processo "burocrático" de Bolonha, muito poucos adequados ao novo paradigma de Bolonha.
E para quando o principal instrumento de uma verdadeira reforma à Bolonha, os quadros de qualificações? A predecessora do actual ministro ensaiou esse trabalho, com resultados díspares e incongruentes, conforme as áreas, mas alguns muito bons. Em vez de analisar esse trabalho e corrigi-lo, o MCTES meteu-o na gaveta.
Finalmente, o financiamento para 2007. Como é coisa bem conhecida e isto já vai longo, limito-me a escrever "palavras para quê?", mas lembrando que não é questão de simples gestão do défice, tem muito de ético, de coerência pessoal, do necessário, mas às vezes impossível, compromisso entre o politico e o homem intelectual. Tão difícil que, em muitos casos, não há outra saída senão o pedido de demissão.
Por tudo isto, se fosse sondado sobre remodeláveis, uma das minhas respostas imediatas seria Mariano Gago. Tenho pena. Foi um bom ministro da ciência, nos governos Guterres, é hoje um dos piores ministros da tutela da educação superior que conheci, pós-25.4.1974. Lembram-se do princípio de Peter?
P. S. (14:38) - Depois de publicado este apontamento, li no Público a entrevista de António Nóvoa, reitor da UL. Pena que me tivesse sabido a tão curto espaço. Felizmente, tem hoje duas horas de Prós e Contras. A UL está muito bem entregue, que mais não seja por ter um reitor que é um exemplo de coragem e que não tem papas na língua. Pena é que o CRUP inclua tão boa gente mas que, como órgão, seja tão banal.
Ainda sobre a TV desta noite, interrogo-me, com algum traquejo político. Como é que um ministro vai a um programa em directo, contraditório, sem rede? Há infantilidades políticas, fruto de tendências pessoais irresistíveis (ah, o palco!), que se podem pagar muito caro. Vou ver com a maior expectativa.
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